Radical Worlds: The Afro-Brazilian Experience

Dalton Paula, Corpo Territorio B (2010). Photograph, 60 × 180 cm. (Photo by Francois Calil)

Ao longo das duas primeiras décadas do século XXI os usos e sentidos de "race" e "color", "racismo" no Brasil passaram por transformações significativas no imaginário nacional remodelando a relação dos brasileiros com a democracia e a cidadania. A implementação de politicas de ações afirmativas nas universidade públicas do país e o crescimento da relevância dos intelectuais, artistas e ativistas negros, na mundo acadêmico, nos partidos políticos, na esfera pública bem como no mercado da arte, abalou o velho mito da democracia racial brasileira e as formas compartilhadas de imaginar a nação. De exemplo mundial sobre como a harmonia racial pode dar origem uma nação alegre mestiça e múltipla o Brasil hoje se concebe como o país do racismo estrutural, da desigualdade social extrema, e seu povo é cada vez mais imaginado como majoritariamente negro. A ascensão da extrema direita ao poder sob a liderança de Bolsonaro, representando uma alternativa política de supremacismo branco, tornou ainda mais relevante, para os destinos da democracia na América Latina, os movimentos civis e populares organizados pelos afro-brasileiros.

Este dossiê pretende oferecer uma pequena imagem dessas mudanças. A entrevista com Sueli Carneiro, uma das mais influentes pensadoras feministas negras brasileiras, por Daniela Vieira e Marilea Almeida, chama a atenção para a transformação que a luta civil e popular do movimento negro brasileiro trouxe à sociedade brasileira e os desafios que ainda estão por ser enfrentados. A política de ações afirmativas, um dos principais triunfos do movimento negro brasileiro, é brevemente analisada no artigo de Campos e Junior, "One policy, two contexts: characteristics and particularities of Brazilian Affirmative Action". Uma luta que contou com a força e a resiliência dos jovens e estudantes negros que habitam as periferias das metrópoles brasileiras. O ensaio fotográfico do premiado cartunista Marcelo Dsalete nos dá uma olhada em suas vidas cotidianas. É também nas periferias onde tem florescido as artes e a literatura afro-brasileiras nas últimas duas décadas. No entanto, a tradição literária afro-brasileira remonta ao século XIX, como mostra a obra do pai da literatura moderna brasileira, Joaquim Machado de Assis. A última tradução para o inglês de sua obra, Memórias Póstumas de Bras Cubas, é revisada pelo Sidney Chaloub. A elegância da poesia de Eliana Marques insere-se nesta vibrante tradição.

As artes sempre estiveram na frente do debate público sobre a experiência negra no Brasil. Em seu ensaio fotográfico, a artista plástica e académica Renata Felinto comenta poeticamente algumas ideias sobre sua performance Amor-tecimento. Uma performance multisensorial e coletiva, Amor-tecimento discute como os afro-brasileiros usam o amor e o estar juntos como meio de resistência. A obra de Felinto mostra a vibrante cena da arte negra em São Paulo. Entretanto, ao longo de toda a edição, os leitores encontrarão uma série de artistas afro-descendentes vindos de todos os cantos do país: Tiago Santana, Ventura Profana, Marcos da Matta e Helen Salomão da Bahia; Gê Viana do Maranhão; Castiel Vitorino do Espírito Santo; Dalton Paula de Brasilia ou Werllayne Nunes de Goiás. Juntos, eles propõem novas formas de representação da subjetividade negra. Juntos, eles reescrevem a história da arte no Brasil e oferecem outras epistemologias negras, trans, queer, macumba. Eles propõem outros mundos, com toda a radicalidade que sempre esteve no centro do que é chamado de experiência afro-brasileira.

Throughout the first two decades of the twenty-first century, the uses and meanings of "race," "color," and "racism" in Brazil underwent significant transformation in the national imagination, and thus reshaped the relationship that Brazilians had with democracy and citizenship...