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  • Quarta classe
  • Leonardo Tonus (bio)

às escuras singro os mares da memória.

pelas paredes da casanavego as quinas do temposem nele intervir.

aos pés carrego a âncora familiarenferrujada até o jardim de inverno,até a cadeira de balanço.

no balanço de mim a mimnaufrago os interstíciosda história.

Stazza lorda tonnellate 18765,02.  Circa nella tonnellate 11526,70.Velocità alle prove 20 miglia all’ora.

nas descertezas de seus 28 anos a mão da jovem ampara a sua.trêmula corta as linhas do novelo,lavra o rio de lágrimasa mão que instala a descendência à derivaentre as imundíces da terceira classe de um navio a vapor,entre o vômito de outros 1700 passageiros.

Per gli immigrati clandestini è finita la pacchia. Preparatevi a fare levaligie, in maniera educata e tranquilla. Ma se ne devono andare. [End Page 169]

Basilio Tonus. 35 anos. Domènica Tonus. 30 anos. Ruggero Tonus. 7 anos. Ernesto Tonus. 6 anos. Gioachino Tonus. 3 anos. São Paulo. 18 de novembro de 1895. Vapor Fortunata Raggio. Valentino Tonus. 52 anos. Antonia Tonus. 47 anos. Ernesto Tonus. 12 anos. Santos. 8 de dezembro de 1887. Vapor Bourgogne. Destino Brotas. Augusto Tonus. 29 anos. Lugia Carnellos Tonus. 28 anos. Casados. Gênova. 25 de agosto de 1927. Vapor Costa Verde. Escala em Barcelona. 11 dias de viagem (Rio de Janeiro). 12 dias de viagem (Santos). 14 dias de viagem (Buenos Aires). 9.769,23 km. De Gaiarine a Santos. Do vazio do exílio à eterna distância.

Well, we have an orchestra here, right?A swarm of people coming across.What we are missing is a conductor.

Dizem que toda urgência é subjetiva. E que poucas são as urgências verdadeiramente objetivas. E urgentes. Como a minha urgência. E a urgência das 65,6 milhões de pessoas forçadas hoje a se expatriarem. A urgência dos quase 23 milhões de refugiados dos quais metade com menos de 18 anos.

A minha urgência é a urgência dos 10 milhões de apátridos privados de nacionalidade. E de direitos elementares. 10 milhões de pessoas sem acesso à educação, à saúde, a emprego ou liberdade de circulação.

A minha urgência é a urgência das 33.293 pessoas afogadas ou desaparecidas no mar Mediterrâneo entre 1° de janeiro de 1993 e 29 de maio de 2017.

33.293 pessoas.

A minha urgência é a urgência das 10, 20, 40 ou 60 pessoas que desde o início deste texto tiveram de deixar seus lares. Seus familiares e amigos. As 10, 20, 40 ou 60 pessoas que se refugiaram em qualquer parte do mundo. [End Page 170]

O Alto Comissariado para Refugiados informa:

a cada minuto, 20 pessoas são obrigadas a se expatriarem

a cada minuto, 20 pessoas fogem da miséria, de guerras ou de catástrofes naturais

a cada minuto, 20 pessoas desenraizam-se urgentemente pelo nosso planeta.

A minha urgência não conhece raízes. Não é desterritorializada. Minha urgência não é migrante. Nem tampouco exílica. A minha urgência desconhece a pós-modernidade, suas trocas e as travessias. Minha urgência recusa a transculturalidade. Entre o “ser” e o “tornar-se,” nada se faz presente em minha urgência. Exceto, talvez a ausência. E o silêncio. E a espera. A eterna espera de uma voz. De um olhar. De um outro olhar. De um olhar qualquer.

A minha urgência é espera. À espera, minha urgência espera.

A minha urgência espera esquecer. Urgentemente, ela espera. Mas não pode. Pois minha urgência não pode esquecer os amigos. Os cafés. As árvores. As ruas de uma cidade que ela esquece.

A minha urgência não se esquece da viagem. Dos gritos. Da chegada. Da recepção. Ela não pode esquecer o olhar inexistente que não acolhe. A minha urgência vive o vazio da espera de um abrigo inexistente. De um estar-em-comum, hoje tão pouco urgente.

A minha urgência grita uma urg...

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