In lieu of an abstract, here is a brief excerpt of the content:

  • A Recuperação de uma temática anglo-portuguesa por Jacinto Cordeiro:Intertextualidades políticas em torno de um mito nacional literário em Los Doze de Inglaterra (1634)1
  • Rogério Miguel Puga

Em 1634, seis anos antes da Restauração, o dramaturgo português Jacinto Cordeiro (?c.1606-1646)–alferes de uma companhia de ordenança da corte e autor de cerca de dezoito peças (dezasseis comédias e dois entremezes), vários poemas e uma genealogia da monarquia portuguesa–publicou, em castelhano, como era prática corrente na altura (Oliveira), a Segunda Parte de las Comedias, na qual se encontra La Famosa Comedia de los Doze de Ingalaterra (DI), comédia que recupera um tema literário português divulgado por Camões em Os Lusíadas.2 O estereótipo literário do cavaleiro assenta nas três características da ética cavaleiresca: fidelidade, valentia e generosidade (Duby 118; Flori 5-16, 32-41, 73-125), interinfluenciando-se a acção de cavaleiros e a representação literária desde cedo, como conclui Gusdorf (199) ao definir a figuração romântica do cavaleiro: "o romance . . . não permaneceu um fenómeno literário. Através de um prodigioso retorno, o imaginário veio parasitar o real; dar forma e sentido ao estilo de vida da classe privilegiada, no final da Idade Média." Também Mattoso refere a função lúdica e de exemplo dos 'livros de cavalaria,' que se aplica ao enredo dos doze cavaleiros lusos que vão a Londres resgatar, com a vitória final, a honra de doze donzelas inglesas acusadas de serem feias por doze oponentes londrinos (357). É esse mesmo código de conduta que acaba por ser alvo da [End Page 293] comédia de Cordeiro ao recuperar o mito nacional3 literário para enaltecer–tal como fizera a obra de Camões que divulga o referido episódio–os auto-estereótipos dos portugueses, que importava caracterizar no âmbito da monarquia habsbúrgica para enfatizar quer os potenciais político e económico portugueses no seio do império filipino, quer um estatuto semelhante ao dos demais territórios reinícolas ibéricos, sem, no entanto, se opor à hegemonia filipina, como veremos.4

Torna-se necessário ter em mente o contexto histórico em que a peça é publicada, pois se Filipe I de Portugal deseja um monarquia dual, ou seja, Portugal unido a Espanha, mas simultaneamente separado, com instituições próprias, Filipe II irá ignorar gradualmente a Casa Real portuguesa (Labrador), e, no final do reinado de Filipe III, dá-se a "castelização de Portugal" (Álvarez Bouza, "O Portugal dos Filipes"), pois o rei e o conde-duque de Olivares projectam uma estreita união dos territórios (centralização e homogeneização políticas), desenhando-se um novo programa político para a Monarquia Hispânica, no âmbito do qual Portugal perde a sua condição de "reino" com extensos privilégios (Hespanha; Elliott et al; Oliveira; Álvarez Bouza "Lisboa Sozinha" e Portugal; Schaub Portugal, Le Portugal; Curto 2011; Cardim, Costa e Cunha). Em 1634, desaparecera já o sonho de Lisboa se tornar o centro da Monarquia Hispânica e eram evidentes os efeitos económicos negativos de uma união que era cada vez menos entre iguais. É, portanto, já no contexto do enfraquecimento progressivo da autonomia portuguesa que Cordeiro publica as suas comédias, reivindicando, através do mito dos Doze e de outros temas que fazem parte da memória colectiva portuguesa, a identidade, a autonomia conferida inicialmente a Portugal pelos Filipes e o potencial político que Portugal detivera até então. São também essas memória e história que as comédias de Cordeiro (La Entrada del Rey en Portugal; Próspera Fortuna de Duarte Pacheco, Adversa Fortuna de Duarte Pacheco, 1621) recordam, inclusive heróis inimigos de Castela e episódios bélicos contra esse reino (Rivero Machina, "La Jornada" 76-77), pois se é verdade que houve uma certa integração de Portugal no mundo espanhol, também existiram [End Page 294] tensões que a literatura reflecte, recordando-nos que...

pdf

Share