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  • Fábrica de contos: Ciência e literatura em Machado de Assis by Daniela Magalhães da Silveira
  • Eliane Robert Moraes
Magalhães da Silveira, Daniela . Fábrica de contos: Ciência e literatura em Machado de Assis. Campinas: Editora Unicamp, 2010. 304 pp.

Na edição de 25 de Outubro de 1873, o periódico O Sexo Feminino - criado por D. Francisca Senhorinha da Motta Diniz -, trazia um artigo combativo, intitulado em forma de pergunta: "O que queremos?" O semanário mineiro, que havia começado a circular na pequena cidade de Campanha há pouco mais de um mês, denunciava o estado de ignorância em que viviam as mulheres brasileiras, formulando exigências categóricas, como as que se seguem:

Queremos conhecer os negócios de nosso casal, para bem administrarmolosquando a isso formos obrigadas;Queremos enfim saber o que fazemos, o porquê e o pelo quê das coisas;Queremos ser companheiras de nossos maridos, e não escravas;Queremos saber o como se fazem os negócios fora de casa;Só o que não queremos é continuar a viver enganadas.

O texto deixava clara a reivindicação de suas signatárias: tratava-se de reaver direitos que vinham sendo negados, desrespeitados e usurpados, o que aproximava as mulheres aos escravos, reiterando um argumento constante nos escritos feministas de Francisca Diniz. Havia, porém, uma particularidade na condição feminina ali retratada: mais que oprimidas, as mulheres eram enganadas. Ou seja, para as redatoras do periódico, o despotismo do homem se realizava sobretudo por meio da burla, da dissimulação, do engodo. Tal é a importância dessa tópica que o artigo em questão fazia dela sua última e decisiva palavra: "Só o que não queremos é continuar a viver enganadas."

Em Fábrica de contos - Ciência e literatura em Machado de Assis, Daniela Magalhães da Silveira evoca essa passagem para comentar um conhecido conto machadiano que gravita em torno das formas como duas mulheres reagem ao domínio patriarcal. "Capítulo dos chapéus" transcorre numa tarde carioca de 1879, quando as jovens esposas se encontram para discutir - e colocar em prática - as [End Page 272] estratégias de que se valem para driblar a dominação dos maridos. Quais os expedientes mais eficazes para a mulher desejosa de se esquivar do poder masculino?

A questão implícita no debate das duas amigas não deixa de evocar as demandas das feministas mineiras. De fato, há argumentos que coincidem com os do manifesto de 1883, como a comparação entre a situação das "senhoras do lar" e a dos povos escravizados. Daniela Silveira chega a sugerir que a construção das falas dessas personagens "deve ter sofrido alguma interferência do ideário divulgado por alguns periódicos pautados pela emancipação feminina," citando O sexo feminino. Para a historiadora, a coincidência só não é plena porque as protagonistas do conto apostavam em soluções mais fáceis e rápidas, como o adultério, enquanto as combativas redatoras indicavam "o caminho da formação intelectual, bem mais lento" (p. 228). No limite, porém, ficção e jornalismo seriam pautados pelo mesmo intento de subverter a ordem senhorial.

Embora convincente à primeira vista, o argumento da autora de Fábrica de contos se enfraquece diante de um exame mais acurado do conto de Machado. Ainda que não caiba fazê-lo no espaço desta resenha, basta recorrer à tópica do engano para se perceber que, antes de ser um panfleto da emancipação feminina, "Capítulo dos chapéus" interroga a mulher como um sujeito moral, a quem cabe a difícil escolha entre a submissão e a traição. Alheio ao maniqueísmo romântico, o narrador apresenta o adultério feminino como uma alternativa possível, legítima e até mesmo reparadora para uma vida conjugal marcada pela desigualdade. Daí que o conto, em tom de galhofa crítica, venha a inverter a fórmula do manifesto mineiro: ao invés de "viverem enganadas," são as mulheres que, na verdade, vivem enganando. E não sem razão, como o...

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