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  • Pilares narrativos: A construção do eu na prosa contemporânea de oito romancistas brasileiras
  • Luciana Namorato
Ferreira, Débora R. de S. Pilares narrativos: A construção do eu na prosa contemporânea de oito romancistas brasileiras. Florianópolis: Editora Mulheres, 2004. 223 pp.

A identidade brasileira é um conceito plural e dinâmico. A diversidade regional do Brasil — com suas dicotomias como urbano/rural, nacional/estrangeiro, doméstico/público —, sua variedade racial e o abismo econômico que separa suas diversas classes alimentam este constante redefinir do conceito de “brasilidade.” No entanto, já na introdução de Pilares narrativos, Débora Ferreira alerta seus leitores para o caráter restrito desta pressuposta “pluralidade” de discursos construtivos da nação brasileira, já que tais discursos se encontrariam destituídos de percepções femininas. Para este fato teria contribuído a ausência de vozes femininas tanto no terreno da política quanto no cânone literário brasileiro. Com Pilares narrativos, Ferreira contribui para a revisão deste cânone, ao examinar a maneira como oito prosistas brasileiras redefinem o eu feminino por meio da criação de personagens que se embatem contra preconceitos e expectativas em relação às mulheres. Ferreira aponta, desta forma, para uma sociedade brasileira vista a partir de uma ótica feminina e, por isso, diversa de tantas outras versões oficiais.

Ferreira divide sua análise em duas partes, comparando e contrastando as visões do feminino em romances publicados entre 1924 e 1933, e entre 1960 e 1977. A opção pelo estudo das décadas de 20 e 30 justifica-se pelas grandes mudanças vividas no Brasil de então, que contribuíram para avivar debates a respeito da identidade nacional, como o rápido desenvolvimento industrial, a intensificação dos esforços femininos para obter acesso ao universo público do trabalho e do voto, e o surgimento de tendências regionalistas na literatura brasileira. A leitura cuidadosa dos quatro romances desta época selecionados por Ferreira — Virgindade inútil (1924), de Ercília Nogueira Cobra; Sua Excelência, a presidente [End Page 209] da república no ano 2500 (1925), de Adalzira Bittencourt; O quinze (1930), de Rachel de Queiroz; e Parque industrial (1933), de Patrícia Galvão — lança luz sobre uma esfera de ação feminina que se camuflava sob a visão patriarcal que então prevalecia e que relegava as mulheres à esfera doméstica. A diversidade de posicionamentos ideológicos das autoras estudadas (com tendências anarquistas, comunistas ou de extrema direita) explica suas diferenças temáticas. Elas, no entanto, compartilham uma visão crítica do restrito espaço de atuação das mulheres na sociedade brasileira. Suas personagens femininas agem efetivamente — seja por meio de um feminismo radical que advoga a educação feminina e a liberdade sexual, criticando a intolerância de instituições como a Igreja, seja por meio de utopias futuristas de tendências eugênicas que enfatizam o papel essencial da mulher na educação dos filhos e na administração da nação. Em busca da cidadania, estas personagens deparam-se não somente com restrições de gênero, mas também com limitações que se devem à sua origem regional, raça ou classe social.

A segunda parte do estudo focaliza as décadas de 60 e 70, época marcada por graves crises econômicas e políticas, assim como pela influência de ideais feministas e pelo aumento da participação da mulher no cenário político brasileiro. Os quatro romances analisados refletem essas mudanças ao apontarem para um espaço de atuação da mulher além da esfera doméstica, e ao enfatizarem a individualidade das protagonistas em meio a uma sociedade que lhes nega a plenitude de ação como cidadãs. Em Quarto de despejo (1960), narrativa em primeira pessoa de Carolina Maria de Jesus, negra e moradora de favela, a autora cria para si um espaço de atuação política e econômica por meio da escrita. Em A casa da paixão (1972), Nélida Piñon vale-se de alegorias para...

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