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Reviewed by:
  • O exílio do homem cordial
  • Alfredo Cesar Melo
Rocha, João Cezar de Castro Rocha . O exílio do homem cordial. Rio de Janeiro: Editora Museu da República, 2005. 335 pp.

Depois de tantos anos de institucionalização da pós-graduação em literatura no Brasil e o consequente aumento de teses, dissertações e livros sobre as grandes obras das letras nacionais, certamente é legítimo perguntar: o que resta estudar sobre autores já tão consagrados e analisados pela crítica, como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda? Em O exílio do homem cordial, João Cezar de Castro Rocha nos prova que é possível revisitar tais autores, propondo-lhes questões novas - sem os vícios das abordagens rotinizadas - e ainda aprender muito com esse cânone. O exílio do homem cordial é sem dúvida um dos livros de crítica literária mais provocadores e inquietantes escritos nos últimos anos, pois levanta a poeira do senso comum criado em torno a certos autores, polêmicas e temas, convidando-nos a ler os clássicos brasileiros com um novo olhar.

O livro tem três partes: três capítulos que lidam com o tema da cordialidade; outros três que estudam o tropo do exílio na imaginação brasileira; e quatro capítulos que discutem problemas relacionados à vida intelectual.

Na primeira parte, Castro Rocha analisa o grande mal-entendido em torno ao conceito de "homem cordial," exposto no quinto capítulo de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque. Castro Rocha aponta para uma "mestiçagem hermenêutica": quando se discute a categoria "homem cordial" na esfera pública brasileira, geralmente se atribui a autoria do conceito a Sérgio Buarque enquanto o seu conteúdo é associado à representação de cordialidade tecida por Gilberto Freyre em Sobrados e mucambos e que tem a ver com a seu significado corrente de gentileza, simpatia, suavidade no trato e amizade fácil. Muito diferente do que sugeriu Sérgio Buarque, já que este parte da reflexão sobre a etimologia da palavra (cordial vem de cordis, coração) para indicar que o homem cordial é aquele que age pelo coração (através do afeto ou da violência), sem as arestas de uma espaço público normativo para conter a volubilidade emotiva de sua ação. Castro Rocha então lança a seguinte hipótese: "Nobres selvagens ou homens cordiais, provavelmente continuaremos a ler Raízes do Brasil segundo o conceito de cordialidade encontrado em Sobrados e mucambos, já que este reforça a imagem de cultura brasileira como um oásis social, indiferente a conflitos e revoluções; assim como a natureza tropical desconhece terremotos e furacões"(65). A confusão [End Page 225] hermenêutica é, portanto, uma tentativa de neutralizar uma crítica aguda ao modo do brasileiro ser. Mais reconfortante para os brasileiros seria a versão rósea do homem cordial freyreano do que o diagnóstico impiedoso feito por Sérgio Buarque.

No capítulo 3, "O homem cordial e seus precursores: Os vanguardistas europeus," Castro Rocha aborda a vanguarda futurista de maneira contraintuitiva e original. O argumento do capítulo é o seguinte: Normalmente associados ao rompimento com o establishment e a ordem social burguesa, os vanguardistas - para manterem-se como tais - precisam recorrer a um padrão de sociabilidade cordial. Como a vanguarda se afasta do público mais amplo, o artista de vanguarda tende a valorizar "os contatos pessoais como base para criação de mercados paralelos" (100). Tal como o letrado cordial brasileiro, que devido à rarefação de público, precisa construir um auto-público (formado por outros homens de letras), o homem de vanguarda também necessita criar um público de iniciados. Ao estudar um fenômeno europeu a partir de um conceito forjado na América Latina, a análise de Castro Rocha inverte os paradigmas eurocêntricos, mostrando que "o conceito de Sérgio Buarque estimula a renovação dos estudos das vanguardas européias, sugerindo que, no que se refere ao relacionamento dos artistas com o...

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