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SANIDADES ERRANTES: LOUCURA E VIOLÊNCIA EM DELIRIO, DE LAURA RESTREPO por Luciana Namorato Indiana University AO preceder seu romance Delirio (2004) de uma citação do escritor norteamericano Gore Vidal, a jornalista e romancista colombiana Laura Restrepo entrega ao leitor uma valiosa chave de interpretação para sua obra. A epígrafe de Vidal (“Sabiamente, Henry James siempre les advertía a los escritores que no debían poner a un loco como personaje central de una narración, sobre la base de que al no ser el loco moralmente responsable, no habría verdadera historia que contar”, Restrepo 9) informa ao leitor que é tarefa do romancista selecionar seu protagonista dentre os mentalmente sãos, de modo a garantir a responsabilidade moral de suas ações e, por conseqüência, a verossimilhança, coerência ou relevância da história que venham a protagonizar. O mergulho na narrativa de Delirio, entretanto, instaura no leitor dúvidas a respeito da advert ência de Henry James. O que dizer da dita “irresponsabilidade moral” de um protagonista louco, quando a sanidade daqueles que o cercam se confunde com alienação e subserviência, com cooptação com a face mais amoral, degradante e desumana da tradição e do capital?1 Neste contexto, poderia ser o louco o personagem mais são, e sua história, aquela que mais interessaria ser contada ? Agustina Londoño, protagonista de Delirio, apresenta um comportamento que oscila entre a excentricidade e a loucura. Suas primeiras manifestações de instabilidade emocional têm origem em uma infância marcada pelo medo, pela inadequação e por sentimentos contraditórios em relação ao pai. Inconstante , autoritário e ausente, Carlos Vicente Londoño agride com freqüência seu filho mais novo, Bichi, com quem Agustina compartilha um segredo: a 95 095-108 Namorato, L. 13/9/10 11:12 Página 95 descoberta do relacionamento extraconjugal do pai com a própria cunhada. Após encontrarem, no escritório de seu pai, fotos da tia materna desnuda, Agustina e Bichi criam para si um ritual que lhes garante certa sensação de conforto e controle frente à constante preocupação de que tal segredo viesse a ser revelado:2 Nos encaramamos en el armario, sacamos las fotos de la ranura entre la pared y la viga y las ponemos sobre mi cama, primero así no más, como caigan, mientras arreglamos todo lo demás [. . .]. El Bichi me espera sin calzoncillos mientras que yo, sin pantis y con las cosquillas ésas, bajo por la escalera del servicio hasta la alacena y me robo una de esas servilletas de lino [. . .]. Traigo del baño un platón lleno de agua y ya de vuelta en mi cuarto cerramos bien la puerta, encendemos las velas y apagamos la luz, y con el agua del platón hacemos las abluciones, que quiere decir que nos lavamos bien la cara y las manos hasta dejarlas libres de pecado, y luego Agustina [. . .] le coloca la servilleta por debajo como si fuera un pañal [. . .]. Lo que sigue es vestirnos con ropajes, siempre los mismos [. . .]. (99-100) Por meio da repetição desta cerimônia, os irmãos crêem proteger o segredo do pai, assim como aumentar os poderes de clarividência de Agustina, que acredita empregá-los a serviço da proteção de seu irmão caçula. As crianças repetem sistemática e precisamente um ritual que culmina com a promessa mútua de que o segredo será mantido e com a observação cuidadosa das fotos por eles descobertas, ato “que es lo más importante, el centro de todo, la Última Llamada , porque ésos son los ases de nuestro poder, bastos, copas, oros, espadas: las cartas de nuestra verdad” (101). Já adulta, Agustina continua obcecada pelos sistemas rígidos e pelas artes divinatórias. A alienação da protagonista dos aspectos práticos da vida justifica sua prolongada dependência da ajuda financeira dos pais. Como a criança que fora, a Agustina adulta também almeja sentir-se em controle, buscando sinais que constantemente lhe indiquem como atuar. O comportamento contestador da protagonista, que se...

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