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  • Cuba, protestos e caminhos da revolução / Cuba, Protests, and Paths of Revolution
  • Joana Salém Vasconcelos1

Os protestos ocorridos no dia 11 de julho em Cuba geraram um sinal de alerta e uma onda de debates acalorados na esquerda internacional sobre os desafios da única revolução viva do continente latino-americano.

Algumas leituras solidárias a Cuba, porém apressadas, se precipitaram ao rotular os cubanos que estiveram nas ruas no dia 11 como “mercenários de Miami”, “contrarrevolucionários” ou meros “agentes do imperialismo”. Segundo essa tese, os protestos foram parte de uma estratégia de desestabilização dos EUA contra o governo cubano que mobilizou segmentos anticomunistas da sociedade com aparatos da indústria cultural, slogans e hashtags nas redes sociais, configurando o cenário típico de uma revolução colorida.

Desde logo, porém, essa leitura se mostrou insuficiente para explicar a realidade cubana, ainda que contivesse elementos verdadeiros. Os acontecimentos foram mais contraditórios, heterogêneos e difíceis de analisar, sobretudo dentro de uma perspectiva de solidariedade à revolução. A circulação de relatos de cubanos que testemunharam dire-tamente os acontecimentos do 11J (Colectivo, 2021; López Hernández, 2021; Rodríguez Milanés, 2021, Romero, 2021) logo evidenciou que, a despeito da presença de slogans anticomunistas (sintetizados nas consignas “Patria y Vida” e “SOS Cuba”), parte significativa dos manifestantes que foram às ruas não era formada por contrarrevolucionários, nem mercenários, mas por pessoas do povo desgastadas com a crise do cotidiano.

Cuba enfrenta um conjunto de dificuldades econômicas, a começar pelos efeitos estruturais do bloqueio estadunidense que se somaram à pandemia, à paralisia do turismo e aos desafios de política econômica interna, dando origem a uma crise múltipla. Suas expressões concretas na vida social foram o desabastecimento, a falta de medicamentos, as filas para obter alimentos, o aumento de tarifas, o desemprego, as desigualdades de acesso às Monedas Libremente Convertibles (MLC) e a escassez de meios de vida que se tornaram ainda mais agudos com o crescimento [End Page 175] da curva de contágio da Covid-19 em junho e julho de 2021.

Tudo isso, de alguma forma, eclodiu em 11 de julho de 2021.

os protestos e as duas respostas do governo

É relevante que os protestos tenham começado em San Antonio de Los Baños (província de Artemisa, a trinta e seis quilômetros de Havana) e Palma Soriano (província de Santiago de Cuba, a cinquenta quilômetros da sua capital), municípios que estavam sem eletricidade há uma semana, como destacou o historiador Ernesto Limia em entrevista ao portal La Iguana (2021). Sem demora, no mesmo 11J, o presidente Miguel Diaz Canel se dirigiu ao primeiro foco de insatisfação e conversou com manifestantes. Segundo o presidente, lá encontrou “pessoas do povo que têm necessidades, que estão vivendo parte destas carências, destas dificuldades” e que “pediam uma explicação, e o primeiro que diziam era: eu sou revolucionário, eu apoio a Revolução” (Diaz-Canel Bermúdez, 2021, para. 23). No mesmo discurso, qualificou os manifestantes como “pessoas revolucionárias que podem estar confusas” (Diaz - Canel Bermúdez, 2021, para. 23).

Com a expansão dos protestos em Havana e outras mais de quinze cidades naquela tarde de domingo, porém, a resposta do governo se bifurcou em duas linhas distintas. Por um lado, o deslocamento do presidente para conversar com os primeiros manifestantes imprimiu certa legitimidade relativa às insatisfações, mimetizando o gesto de diálogo de Fidel Castro no Maleconazo de 1994. Por outro lado, perante os demais focos de protestos, o governo acusou duramente a interferência dos Estados Unidos, afirmou que as ruas pertenciam aos revolucionários e convocou contramarchas para constranger os manifestantes.

Como parte da tática de enfrentamento, também foi acionado o aparato policial, que prendeu uma quantidade indeterminada de cubanos, alguns dos quais autodeclarados comunistas que posteriormente relataram situações de abuso de autoridade (Hall Lujardo, 2021; Romero, 2021). No dia 21 de julho, o compositor Silvio Rodríguez escreveu em seu blog Segunda Cita e em seu mural no Facebook...

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