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Reviewed by:
  • Dicionário de Estudos Narrativos by Carlos Reis
  • Ana Teresa Peixinho
Reis, Carlos. Dicionário de Estudos Narrativos. Coimbra: Almedina, 2018. 582 pp.

Em 1987, dois professores da Universidade de Coimbra publicavam aquele que viria a ser, até há bem pouco tempo, o único dicionário em língua portuguesa dedicado ao estudo da narrativa: Carlos Reis, professor de Literatura, e Ana Cristina Lopes, professora de Linguística, escreveram a quatro mãos o Dicionário de Narratologia, saído com chancela da Almedina. Nesse mesmo ano, Gerald Prince, professor de Literatura na Universidade da Pensilvânia (EUA) e nome maior da narratologia, publicava também uma obra congénere, A Dictionary of Narratology. Poucos anos mais tarde, Didier Coste, captando o impacto simbólico destas obras, num período de consolidação de conceitos, de construção de um léxico da especialidade e de desenvolvimento das virtualidades analíticas da Narratologia, publica na prestigiada Poetics Today uma recensão crítica comparada. Nesta recensão Coste apresenta os dois dicionários, destacando a sua importância para a autonomização epistemológica da disciplina, sobretudo numa fase pós-estruturalista, de alguma abertura disciplinar (Coste, 1990).

Mais de trinta anos transcorridos, nove edições e reimpressões depois, eis que Carlos Reis decide revisitar aquele que considera ser um "quase arcaico" dicionário, e, num laborioso e profundo trabalho de revisão, publica o Dicionário de Estudos Narrativos. Embora geneticamente ligado ao primeiro, ligação que o autor faz questão de não desprezar, este dicionário é uma obra nova, fruto de uma renovação profunda da área e de um rigoroso trabalho de sistematização teórica e de atualização conceptual.

Dos 223 verbetes que o compõem, 113, ou seja, mais de metade, são totalmente novos; dos restantes 110 pelo menos 15 foram rearrumados, sofrendo desdobramentos conceptuais e uma revisão profunda; 37 entradas do antigo Dicionário de narratologia foram suprimidas. Estas escolhas, que explicaremos adiante, são desde logo anunciadas no prefácio escrito pelo autor e justificadas pela evolução significativa que a Narratologia, enquanto disciplina, sofreu sobretudo a partir da última década do século passado.

O estudo da narrativa conheceu, nas duas últimas décadas do século XX, um "revivalismo notável," e, sobretudo desde o início do novo milénio, a Narratologia tem sofrido transformações, alargamentos e contaminações que exigem hoje [End Page 131] uma revisão quer da singularidade do conceito, quer da sua matriz estruturalista e literária. Em 1999, escrevia David Herman a respeito do alargamento deste campo de estudos: "No longer designating just a subfield of structuralist literary theory, narratology can now be used to refer any principal approach to the study of narrative organized discourse, literary, historiographical, conversational, filmic, or other" (Herman 27).

Este expansionismo, coincidindo com o chamado "narrative turn," tal como o descreveu Martin Kreiswirth em 1995, influenciou as Ciências Sociais, as Humanidades e até áreas como a Medicina ou a Psicologia. A bibliografia existente sobre o movimento expansionista da Narratologia, que consente que hoje se adote o termo plural de 'Narratologias,' cunhado por David Herman, é muito rica e diversos são os autores que problematizam as relações entre a Narratologia e outras áreas disciplinares. Esta pluralização está patente quer em variantes metodológicas—narratologia natural (Fludernik, 1996), narratologia crítica (Fehn, 1992), narratologia cognitiva (Herman, 2005; 2013)—, quer em injunções epistemológicas—narratologia feminista ou narratologia pós-colonial, socionarratologia ou narratologia mediática. Disso mesmo nos dá conta o circunstanciado verbete que Carlos Reis escreve—Estudos Narrativos—no qual se posiciona claramente em relação a este "novo" campo de estudos, defendendo a sua autonomia para com a Narratologia clássica de matriz estruturalista:

Os estudos narrativos são por vezes identificados com a chamada narratologia pós-clássica e como tal designados. Entende-se, contudo, que aquela designação omite dois atributos fundamentais dos estudos narrativos: em primeiro lugar, a noção de pluralidade, que aqui se afigura crucial; em segundo lugar, a sua condição autónoma e abrangente, no sentido em que...

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