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Reviewed by:
  • Machado e Shakespeare: Intertextualidades by Adriana da Costa Teles
  • Gabriela Manduca Ferreira
Teles, Adriana da Costa. Machado e Shakespeare: Intertextualidades. São Paulo: Perspectiva, 2017. xix + 270 pp. Notes. Chronology. Bibliography.

O tema não é novo na crítica machadiana: contemporâneos do escritor já apontavam a presença de Shakespeare na obra de Machado; Eugênio Gomes debruçou-se sobre as influências inglesas do escritor brasileiro para reconhecer em Shakespeare uma das expressões máximas de um “microrrealismo psicológico” partilhado por Machado de Assis; Helen Caldwell alterou a rota das interpretações ao identificar, por meio das relações entre Otelo e Dom Casmurro, uma pergunta oculta no romance machadiano; desde então outros estudos, como os de Marta de Senna e de José Luiz Passos, também se interessaram pela intertextuali-dade entre Machado e Shakespeare. O consistente arcabouço teórico construído em torno dessa questão poderia dificultar uma abordagem original de diálogo tão investigado. No entanto, a definição do objeto de Machado e Shakespeare foi o que propiciou a contribuição de Adriana da Costa Teles a esse velho tema da crítica machadiana.

O interesse da autora pelo tema, descrito na introdução do livro como “paixão antiga” (xix), ficou indicado desde 2005, com o estudo de especialização sobre Romeu e Julieta em Memorial de Aires, quando já perguntava: “Shakespearen tragedy at the end of the nineteenth century?” Resultado de dois estágios de pós-doutoramento, a pesquisa que deu origem ao livro iniciou-se em 2010 com a investigação das relações entre Otelo e Dom Casmurro e, mais precisamente, do modo como tais relações expressam o procedimento de Machado quanto a aspectos definidores da tragédia e do trágico. Isto é, diante das possibilidades abertas pelo estudo de Caldwell, Teles afasta-se da investigação do tema do ciúme para explorar a inserção da visão de mundo trágica no contexto adverso do romance e questiona: “como Machado estaria delineando o homem burguês de seu tempo por meio dessa intertextualidade?” (xvii).

A exposição dos resultados de tal investigação parte de uma análise das condições de recepção de Shakespeare no Brasil do século 19, acompanhada da observação de textos em que Machado de Assis comenta encenações do dramaturgo inglês no país. Desse modo, o capítulo “Machado de Assis e o contexto shakespeariano de seu tempo” introduz a problemática acerca de qual (ou quais) Shakespeare(s) Machado conhecia, isto é, a quais publicações, edições, traduções e adaptações do texto shakespeariano o escritor brasileiro teve acesso.

“Diálogos machadianos com Shakespeare,” uma reflexão geral acerca dessa intertextualidade, promove um minucioso levantamento que mapeia trechos da obra machadiana com referências a Shakespeare ou sua obra. Nesse sentido, a “Cronologia da presença de Shakespeare na obra de Machado de Assis,” apresentada ao final do livro, revela Shakespeare como a presença mais sistemática na obra machadiana e constitui um valioso instrumental para estudiosos desse diálogo. A análise desses dados, formulada como segundo capítulo do livro, observa a prevalência de determinadas tragédias shakespearianas em cada gênero trabalhado por Machado de Assis (Hamlet é predominante na crônica, Otelo no [End Page E10] romance e Romeu e Julieta nos contos), estuda as referências de Machado às quatro tragédias mais citadas em sua obra e considera que a profunda identificação de Machado com Shakespeare relaciona-se à “liberdade ousada” (85) de ambos.

O objeto central da pesquisa é abordado no terceiro capítulo, “A presença de Otelo em Dom Casmurro: O trágico em Machado de Assis,” em que a autora identifica ressonâncias trágicas na história narrada por Bento Santiago, mas questiona o caráter trágico de sua experiência. Isto porque Teles conclui que o aproveitamento de Otelo em Dom Casmurro é irônico, subvertendo o trágico, de modo a dramatizar o fracasso do homem moderno na tentativa de se apoiar em certezas. Além da intertextualidade com Otelo, o...

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