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  • Paraíso suspeito: A voragem amazônica by Leopoldo M. Bernucci
  • Mario Higa
Bernucci, Leopoldo M. Paraíso suspeito: A voragem amazônica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017. 312 pp. Works Cited. Index.

Em 1906, o naturalista e fotógrafo francês Eugène Robuchon desapareceu misteriosamente na selva amazônica. Nunca foi encontrado. Duas versões tentam esclarecer seu desaparecimento. A primeira sugere que Robuchon foi capturado por índios antropófagos enquanto fazia o levantamento topográfico da região transnacional de Putumayo, que era então disputada pelos governos do Peru, Equador e Colômbia. O autor dessa versão é o seringalista peruano José César Arana, que explorava a extração da borracha nessa região. A segunda versão é a do irlandês Roger Casement, que visitou Putumayo como observador internacional. Em sua inspeção, Casement descobriu que a câmera de Robuchon, para além de retratar a selva, começou a registrar também os excessos praticados contra seringueiros, na maioria indígenas, por administradores dos seringais de Arana. Estes, ao saberem disso, teriam mandado assassinar o francês.

O enigma que envolve a morte de Robuchon pode ser visto como uma síntese de outro mistério, o da floresta amazônica, espaço em permanente movimento entre o esplendor e a violência, a riqueza e a exploração, a diversidade e a morte. Esse mistério, seus encantos e suas agruras, é a matéria sobre a qual se debruça o professor Leopoldo Bernucci em seu Paraíso suspeito. Em termos mais específicos, o livro é um alentado estudo sobre a Amazônia no período do Ciclo da Borracha, suas representações literárias e, destas, uma em particular: o romance La vorágine, do escritor colombiano José Eustasio Rivera, publicado em 1924.

Como Robuchon, desfilam no livro de Bernucci diversos personagens fascinantes e muitos enigmas. Bernucci, porém, não se dispõe a decifrar esses enigmas, e sim a aprofundá-los e lapidá-los para que o brilho de sua nitidez trague o leitor, como uma voragem. E é o que, de fato, ocorre: o grande enigma amazônico traga o leitor desde a primeira página do livro. Mas a voragem do título do romance de Rivera é, no limite, outra, e se refere a um evento histórico tão relevante quanto atrozmente esquecido: o genocídio de povos indígenas e de trabalhadores brancos e mestiços que foram contratados por empresas de extração de látex, durante o Ciclo da Borracha na Amazônia, cujo ápice ocorreu entre as décadas de 1890 e 1920. [End Page 126]

Calcula-se que apenas no período de 1900–1910, na área da Amazônia não brasileira, ou mais precisamente na Amazônia peruana e colombiana, cerca de 30 mil seringueiros foram cruel e brutalmente explorados, escravizados, torturados e mortos. Esses números, ainda que suspeitos, ou seja, ainda que considerada sua margem de flutuação, e outros números ainda não calculados, fazem do genocídio amazônico durante o Ciclo da Borracha um dos maiores crimes contra a humanidade ocorridos no século XX. Bernucci o compara a outros massacres; como o dos armênios, durante a Primeira Guerra, o Holocausto, durante a Segunda Guerra, e o extermínio dos povos Tútsi em Ruanda, em 1994. No entanto, à diferença destes, o genocídio perpetrado pelos barões da borracha contra povos amazônicos possuiu motivações predominantemente comerciais, e não étnicas—embora estas não estivessem de todo ausentes, dado que os indígenas foram suas maiores vítimas. Será por isso, então, que o massacre amazônico foi tão rápida e contundentemente esquecido? Seremos nós, ocidentais, mais lenientes com crimes bárbaros motivados pela noção de progresso econômico? Ou seremos nós, ocidentais latino-americanos, menos sensíveis aos crimes infligidos às nações nativas (isto é, não ocidentais) da América?

Bernucci nos guia por essas e outras intrincadas questões amazônicas, sem, no entanto, nos fornecer respostas fáceis. Seu ponto...

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