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  • Da escrita de um nóis singular plural:Espécies de espaços da periferia nas ficções de Iolanda Zúñiga e Rodrigo Ciríaco
  • Alva Martínez Teixeiro

Si les gens veulent attraper des maux de tête parmi les sous-entendus, laisse-les. Et qu'ils apportent leur propre aspirine.

(Samuel Beckett)

A grande cidade absorve também gestos, palavras, ações; absorve frustrações, agressões, roubos, violências, pequenos assassinatos–pois tudo acontece, e a cidade como que não vê, se cala, silente, consente.

(Flávio Moreira da Costa)

A partir das conhecidas, incomuns e, ao pretenderem mimetizar e/ou encenar o real periférico, às vezes, também espe(ta)culares iniciativas do interventivo poeta das margens paulistanas Sérgio Vaz (Ladaínha, 1964) et alii–especialmente, em 2001, com a fundação da Cooperativa de Artistas da Periferia (Cooperifa) e o desenvolvimento dos seus 'saraus' literário-culturais, do programático "Manifesto Antropofágico da Periferia" e, já em 2007, com a emblemática "Semana de Arte Moderna da Periferia," inter alia–(Villarino Pardo 161-72), nos últimos três lustros e de maneira progressiva, foi-se consolidando no Brasil uma escrita literária de e sobre a periferia urbana, geográfica e/ou social, que, não por acaso, compartilha o seu espaço com as pesquisas sociológicas contemporâneas. E compartilha-o porque diz o quotidiano da favela–e da reconfigurada neofavela de que fala Paulo Lins–(16), naquilo que esta tem de mais ordinário e paradigmático e porque, à maneira das espèces d'espaces de Georges Perec, também explora as espécies citadinas desses espaços marginais–por marginalizados e, apesar de não se assumirem em qualquer gueto, um algo orgulhosamente autossuficientes –, historicamente [End Page 395] esquecidos ou secundarizados pelo decorrer de uma tão redutora quanto incompletamente canónica Literatura Brasileira tout court.

Após um inicial (des)apreço, está a sobrevir uma maior aceitação da literatura e da cultura faveladas pelo atual establishment, pela minoria maioritária do público leitor–por via de regra branco e culto–que tem alguma coisa de miragem. Ilusão de que podem ser claros exempla as acríticas apreciações circulares que, como mantras, são proferidas por uma diversificada e ampla tribo de marginófobos, marginianos, marginólogos, margimaníacos ou marginólatras; isto é, de "normópatas" que classificam as pessoas, os comportamentos, as maneiras e os usos segundo a contumaz escala burguesa de valores das flaubertianas idées reçues, sempre sem ultrapassar por completo os escuros preconceitos racistas e classistas do (imenso) território auriverde da desigualdade.

Por um lado, por se tratar de mais um espécime de literatura engajada, mas, diga-se de passagem, essencialmente literatura, o mainstream da crítica, centrando a sua visão analítica mais no compromisso e na expressão "engajada" do que no "mas," abjura dessa substância literária–que, além do star system, o constitui, integrando esta escrita resistente e denunciadora–e apenas lhe reconhece aos seus autores a capacidade de desempenhar o papel de escritores malditos.

Por outro lado, por ser um fenómeno literário surgido nas duas últimas décadas interseculares, já em vias de consolidação, mas ainda em processo de elaboração e ponderação avaliativa, constitui um desafio ao conhecimento. Possui, portanto, essa ambivalência do transitório, nada estranha para um movimento considerado pelo professor e crítico literário João Cezar de Castro Rocha como mais um degrau na passagem da "dialética da malandragem" à "dialética da marginalidade" (65). De facto, nesta passagem, a relação dialógica, na qual a incongruência entre uma obra e o grupo social já não existe mais, faz com que a literatura de evasão acabe por criar uma aglutinação de diversos projetos sob o signo da denúncia endógena. Trata-se de uma ficção realista urbana dominada pelo desassossego e a desagregação social, "que modela uma vertente polifônica e heteróclita do tema da angústia do tempo presente e reassume a literaturização do...

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