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  • Navegar:Ensaio literário e discussão metodológica
  • Adriana Lisboa (bio)

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Adriana Lisboa em Colorado. Foto de Eduardo Montes-Bradley. Cortesia de Adriana Lisboa.

Navegar: Sobre o caminho de uma escritora
Adriana Lisboa

Geografia

Faz quase dez anos que moro nos Estados Unidos. Foi onde escrevi meus últimos dois romances, e também um livro recente de poesia e mais alguns contos. Antes disso, morei praticamente a vida toda no Rio de Janeiro, onde nasci. Na infância, houve um breve período em Brasília, por conta do trabalho do meu pai, funcionário do Banco do Brasil. Estudei no Rio, me formei em música, trabalhei como musicista durante quase uma década, fui flautista e professora de música. [End Page 149] No fim da adolescência, passei um ano na França—morei nas cidades de Paris e Avignon, onde trabalhei cantando música brasileira.

A carreira literária se oficializou mais tarde, embora a presença da escrita na minha vida fosse bem anterior e remontasse à minha infância. Escrevi meu primeiro romance aos 26 anos, publiquei-o aos 29. A partir daí, fui aos poucos me desligando profissionalmente da música e me acercando mais da literatura, até então uma espécie de informalidade essencial na minha vida. A profissionalização como escritora não significa que tenha começado a ganhar a vida com os meus livros, necessariamente, mas com atividades relacionadas à literatura. Comecei a trabalhar como tradutora, fiz mestrado em literatura brasileira e doutorado em literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Nos dezessete anos que se passaram desde a primeira publicação, lancei outros cinco romances, o já mencionado volume de poesia, um livro de contos, um livro de micronarrativas e alguns títulos para crianças e jovens. E esse é o resumo da minha vida. Geográfica e profissional.

Cresci aqui, nesta casa, no bairro de Laranjeiras. Ela foi construída pelo meu avô. Tem mais de meio século de idade. Meus pais viveram juntos, aqui, praticamente a vida toda. Na minha infância, o bairro era muito diferente. E essas diferenças, sinto-as acentuadas ainda mais agora, morando há muito tempo noutro país. Venho ao Rio uma, no máximo duas vezes por ano. Esta rua, por exemplo onde os meus pais—minha mãe faleceu em 2014—viveram a maior parte da sua vida de casados. No início, era uma rua sem saída, terminava na floresta que milagrosamente ainda sobe por aquele morro. Havia uma bica d’água no fim da rua. Abriram passagem, hoje circulam por aqui micro-ônibus e os policiais do Bope empunhando metralhadoras.

Nos EUA, moro no estado do Colorado, nos arredores de Boulder. Não foi um movimento planejado. Jamais imaginei que algum dia pudesse morar no Colorado, ou mesmo nos Estados Unidos. Quando conheci o meu marido, que é brasileiro, ele vivia no Colorado já fazia algum tempo, trabalhando na área de informática. Separei alguns livros, fiz um par de malas, e eu e meu filho nos mudamos para lá. Durante um bom tempo minha biblioteca ficou “hospedada” com meus pais. A cada vez que vinha ao Rio, levava comigo uma mala de livros. O processo de seleção era sempre interessante—alguns nunca tive vontade de levar, e foram doados para um sebo.

Ser escritora—o que é isso?

Minha primeira paixão literária foi a poesia. Tinha nove anos de idade quando começamos a estudar poesia na escola. Achei fantástica a possibilidade de escrever—especificamente, de escrever em versos. Logo comecei a tentar a mão também na prosa. Foram anos de crônicas, contos inacabados, textos confessionais [End Page 150] como às vezes os adolescentes introspectivos costumam escrever. Pode ser uma questão de sobrevivência emocional, e para mim em muitos momentos a escrita desempenhou essa função.

Guardo ainda muita coisa do que escrevi na infância e na adolescência. Tenho um livrinho que escrevemos na escola, no ano de 1979—um livro de...

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