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  • Entre as forças da fantasia e a duplicação do aforismo: O verso mítico/místico em A Adivinhação pela Água (1991) e O Ilusório Ponto do Geómetra (2014) de Vergílio Alberto Vieira
  • Robert Simon

Vergílio Alberto Vieira, poeta bracarense e autor de mais de uma dúzia de colecções poéticas, já foi reconhecido pela inclusão de símbolos enraizados a temas e cenas cristãos, à sua experiência como soldado na guerra colonial e à “concentração” semântica que leva ao leitor a um inesperado auto-reconhecimento ontológico. Desde os anos 90, o autor aproveita-se da densidade do aforismo para pôr à luz todas as possíveis respostas, e por vezes contestações, às questões da impenetrabilidade da palavra poética e a capacidade desta de revelar as várias e contraditórias verdades do nosso mundo artístico e extra-artístico pós-moderno. Por meio deste estudo, portanto, ver-se-ão estas duas faces dos versos de Vieira, aquela da tendência ao misticismo com raíz no imaginário religioso, e esta da presença do aforismo. Aproximar-se-á destas duas vertentes através de uma contextualização literária e crítica cujas bases se encontram nas perspetivas já estabelecidas até ao aforismo, à epistemologia mítica/mística na obra de Vieira e àquelas de outros autores portugueses e ibéricos de temática similar. Cria-se por meio deste empenho poético um espírito híbrido, no qual as forças do processo de iluminação combinam com a dupla tendência, de acelerar a leitura e desacelerar a compreensão, no aforismo num contexto mítico, de uma cenografia de forte impulso religioso. Concluir-se-á que é a partir destes versos de Vieira que começamos a entender a verdadeira finalidade da obra do poeta como ponte que serve, na realidade, de ponto de encontro entre estas intuições ontológicas supostamente em conflito.

Embora a combinação de técnicas poéticas modernas e/ou contemporâneas revele a sua evidente presença nas artes literárias nos séc. XX e XXI, sobretudo [End Page 97] em obras de poetas de tradições linguísticas ibéricas como aquelas de Joaquim Pessoa e António Ramos Rosa (ambos de Portugal), Ana Paula Ribeiro Tavares (de Angola), José Ángel Valente e Clara Janés (ambos de Es-panha), a literatura mística apresenta raízes numa desconhecida antiguidade e evoluiu conforme o contexto no qual se encontrava. A despercebida continuidade desta tendência não se esconde do olho crítico moderno. Toda obra mística de (relativamente nova) tradição ibérica ou de influência ibérica (como surge no caso de Ribeiro Tavares, por exemplo) dispõe de certos elementos, tais como: as oposições binárias, a presença duma figura “mística,” e o processo de criação do conceito e da abstracção do mesmo até à revelação da “verdade” essencial da natureza do ser espiritual (falando em termos epistemológicos) num mundo cindido entre a matéria falsa e a imatéria divina e / ou do mais além.

A primeira questão nossa nasce das chamadas “oposições binárias.” Além do elemento de simples contraste, estas oposições surgem a partir de um claro e inevitável binarismo cuja natureza absoluta não deixa lugar à dúvida. Por meio destes pares em oposição, a falsidade do mundo ao redor do sujeito poético revela-se e esclarece o caminho até ao mundo do mais além. López-Baralt explica que, na tradição mística peninsular, estas oposições refletem, na realidade, uma oposição que existe ao nível universal – a divisão, embora sem chegar ao ponto duma escisão, entre o mundo concreto e o mundo sublime (11).

Existe também a noção da figura “mística” que orienta o sujeito poético. Este ser poético (quer masculino, quer feminino, neste contexto contemporâneo) procura a iluminação mística, ou pelo menos alguma sorte de conhecimento acima do quotidiano...

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