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Reviewed by:
  • The “Femme” Fatale in Brazilian Cinema: Challenging Hollywood Norms by Antônio Márcio da Silva
  • Débora Racy Soares
Silva, Antônio Márcio da. The “Femme” Fatale in Brazilian Cinema: Challenging Hollywood Norms. New York: Palgrave, 2014. Pp. 215. ISBN 978-1-13739-920-5.

Nesse livro, a ideia ocidental de femme fatale é desmontada, por meio de um rigoroso exercício intelectual, de escopo interdisciplinar. Para desvendar sua hipótese de pesquisa, Silva elege seis filmes brasileiros que, embora produzidos em diferentes momentos históricos, ora se aproximam ora se distanciam seja em termos estéticos ou temáticos. A femme fatale, por sua natureza, é multifacetada e performática e assim deve ser compreendida. Portanto, a femme que pode até incorporar homossexuais e lésbicas—daí o substantivo feminino aparecer entre aspas no título do livro—não deveria jamais ser reduzida à imagem da mulher caucasiana, loira e sexualmente atrativa, estereotipada pela indústria cinematográfica de Hollywood. Logo, o título desse livro ganharia amplitude semântica se fosse pluralizado: femmes fatales. [End Page 614]

Silva esmiúça, com arguto olhar, modelos distintos de femme fatale e, ao fazê-lo, rompe paradigmas analíticos, subvertendo e ampliando o escopo da categoria analisada. Em contexto cinematográfico brasileiro, a femme aparece repaginada: independentemente de seu sexo biológico é alguém capaz de provocar angústia pondo em crise a masculinidade e desestabilizando o autoritarismo da sociedade patriarcal. A maior contribuição dessa investigação é a teorização de novos tipos de femme que, para além da aparência poderosamente sedutora, também se tornam fatais dada a sua incessante capacidade de questionar o status quo.

Dividido em seis capítulos, separados pela introdução e pela conclusão, esse livro começa por uma análise da construção da mulher negra como femme fatale em Xica da Silva (1976), de Carlos (Cacá) Diegues. O filme que, à sua época, foi sucesso de bilheteria, apesar das muitas críticas negativas recebidas, retrata a trajetória de uma escrava que ascende socialmente em uma sociedade racista e patriarcal. Xica da Silva sabe como usar seu poder sexual—não sem certo apelo sadomasoquista—para subverter a ordem social e realizar seus desejos, sobretudo os materiais. Do ponto de vista psicanalítico, é capaz de castrar, simbolicamente, os homens (e, por extensão, a sociedade colonial patriarcal) com quem se relaciona, através de sua vagina dentata. Silva poderia ter ampliado a discussão em torno desse mito à medida que entende o canibalismo como princípio constitutivo, inerente mesmo à personalidade da protagonista.

Se, para Foucault, o poder se manifesta através do escândalo, da resistência ou do prazer da exibição, Xica da Silva utiliza essa tríade para conseguir o que quer: exibe-se em práticas de striptease, resiste à medida que não aceita ser domesticada/colonizada e faz sexo em lugares públicos, o que pode ser considerado escandaloso já que a legislação brasileira criminaliza essa prática. Ademais, subverte o discurso colonial e a concepção tradicional de beleza—que aposta na sensualidade das longas e loiras madeixas—ao usar os cabelos bem curtos, quase tosados. O exotismo sugerido por sua aparência remete também à construção de uma personagem quase animalesca, pois insaciável do ponto de vista sexual.

Como aventa o autor, Xica da Silva poderia ser a encarnação do outro, explorado pelo colonizador masculino europeu. No entanto, a escrava liberta ao se recusar a ser mero objeto do desejo sexual masculino, inverte as regras do jogo social e impõe sua vontade. Por isso, como toda femme que desafia as normas, precisa ser destruída, seja realmente (através da morte) ou simbolicamente (através do isolamento).

Na sequência, o autor analisa outro tipo de “femme”/homme fatale/fatal: o homossexual masculino, figurado em Madame Satã (2002), de Karïm Ainouz. Baseado na história real de João Francisco dos Santos (1900–76), descendente de escravos brasileiros, esse filme traz à baila, novamente, questões de raça, além de problematizar a construção dos gêneros, através da bicha e do malandro...

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