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  • O Feminino e a Feminização da América dos descobrimentos e colonização
  • Pedro Carlos Louzada Fonseca

A revisão a que tem se submetido a questão do gênero, examinada pela reflexão crítica desconstrutora da dominância patriarcal, tem sido considerada, a exemplo do que faz K. K. Ruthven, como um determinante crucial na processo de formação e consumo do discurso literário (9).

Na esteira dessa postura revisionista propugnada pelas considerações feministas, chegou-se mesmo a afirmar que a cultura ocidental preserva a tradição de se fundamentar na ideia da centralidade inteligível do falo, ou seja, numa imputada situação falogocêntrica (Cuddon 131).

No terreno linguístico, sede fundamental das formações culturais, essa ideia da sexualização simbólica encontra, nas línguas ocidentais, a sua autenticação fálica, a partir própria gramática, onde o masculino representa uma forma geral, universal ou não-marcada, ao passo que a forma feminina é marcada por um sufixo ou qualquer outra variante (Showalter 2). Desse modo, a seguir essa construção ideológica informada nas pegadas da filosofia aristotélica da geração das espécies, o masculino é a realidade formal, prototípica, da qual deriva, por transformação, a realidade feminina.

O peso fundamental de noções essencialistas e de ordem simbólica como essas veio a outorgar ao discurso patriarcal dominante da tradição a prerrogativa de ele poder identificar e determinar a inscrição das identidades sexuais em todos os âmbitos da atividade humana, desde o social, cultural e histórico até o psicológico e particular. Por isso, entre outros posicionamentos, a crítica feminista, no propósito de desmantelar as capciosas estruturas centralizadoras, binárias e hierarquizantes desse discurso masculinista, reconhece a realidade da construção social, histórica, cultural e simbólica dos gêneros sexuais, mostrando que é impossível, no dizer de Judith Shapiro, que os cientistas sociais evitem, nos seus estudos de diferenciação social, a questão do tratamento do gênero, da mesma forma que não lhes é possível evitar o tratamento de certos assuntos como posição, classe e relação sociais (12). [End Page 145]

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Cora Kaplan comenta que privilegiar o gênero isolado de outras formas de determinação social oferece uma leitura parcial que a diferença sexual desempenha no discurso literário, uma leitura que não considera os seus mais problemáticos e contraditórios sentidos (141).

Isso se explica pelo fato de o discurso patriarcal da cultura dominante dispor de uma estruturação hierarquizante de superposição do masculino sobre o feminino no seu entendimento das relações de gênero não como simples formas binárias mas, sobretudo, já apresentadas, sempre ordenadas e divididas em função de outros termos sociais e culturais, outras categorias de diferença, as quais podem incluir classe, raça e diferenças sexuais (Kaplan 148). Dessa forma, considerar o gênero em termos de mera diferença sexual e sem recorrer a essas expressões de poder hierárquico, obscurece sem, entretanto, deixar de legitimar, conforme explica Catherine Mackinnon, o modo pelo qual o gênero é imposto por força (32).

Tendo por base as reflexões acima, o presente estudo das imagens femininas e de feminização, enquanto tropologias do discurso do gênero na conquista da América, verifica que a questão do gênero carrega consigo uma verdadeira carga de valoração simbólica que se apresenta motivada e agenciada em função de construções sociais, históricas e culturais.

Uma das mais básicas disposições ideológicas e simbólicas da avaliação da questão da alteridade, verificada no pensamento histórico e cultural do Ocidente de origem greco-romana, consiste na consideração tropológica do Oriente como um locus principalmente construído por imagens características da regência do feminino. De forma estratégica, ideológica e politicamente informada, essa mesma visão androcêntrica ocidental torna-se aplicada para representar a realidade das terras e das gentes do chamado Novo Mundo. Dessa forma...

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