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TROPOS DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: DISCURSO DO GÊNERO E SIMBOLISMO ANIMAL PEDRO CARLOS LOUZADA FONSECA A propósito de uma verdadeira predisposição masculina para a femibobia , Simone de Beauvoir observa que “in all civilizations and still in our day woman inspires man with horror” (138). Uma das mais clássicas e disseminadas representações da inspiração desse horror feminino, produzido no homem, é a imagem da mulher em forma de ser monstruoso, que se disfarça com artifícios extremamente sedutores. É extremamente vasto o imaginário relativo a essa metamorfose feminina, sendo as lâmias e as sereias exemplos bem conhecidos. Desde as mais antigas tradições mitológicas e lendárias, o heróico e viril homo viator encontra-se perigado por esses seres encantadoramente destruidores localizados em estranhos e abscônditos espaços. Recorrendo -se à tradição homérica do épico, que situa o mar como grande desafio ao intemerato desbravamento do viajante e do conquistador, Beauvoir explica que “For the sailor, the sea is a woman, dangerous, treacherous , hard to conquer” (145). Fazendo coro a essa mesma tradição androcêntrica ocidental de ascendência misógina, responsável pela derrogação do feminino feita por meio do tropo da monstrualização, Pero de Magalhães Gandavo manda ilustrar o capítulo “Do monstro marinho que se matou na Capitania de Sam Vicente em 1564” – chamado na língua dos nativos “Hipupi àra, que quer dizer demonio d’agua” –, da sua História da Província de Santa Cruz (1576), considerada como a primeira obra de cunho historiogr áfico sobre o Brasil colonial: “O retrato deste monstro, he este que no fim do presente capitulo se mostra, tirado ao natural” (120). Apesar de o texto não se referir ao gênero da criatura, entretanto, a sua ilustração a retrata com dois enormes seios no formato de mamas, sugerindo tratar de um monstro do sexo feminino. 3 É, ainda, em Fernão Cardim que o tropo da monstrualização da natureza americana se evidencia, com maiores detalhes descritivos no capítulo “Homens marinhos, e monstros do mar” do seu tratado Do clima e terra do Brasil (1584). Comentando que tais criaturas são chamadas, na língua dos nativos, Igpupiàra, diz o cronista que As femeas parecem mulheres, têm cabellos compridos, e são formosas . . . O modo que têm em matar he: abração-se com a pessoa tão fortemente beijando-a, e apertando-a comsigo que a deixão feita toda em pedaços, ficando inteira, e como a sentem morta dão alguns gemidos como de sentimento, e largando-a fogem; e se levão alguns comem-lhes sómente os olhos, narizes e pontas dos dedos dos pés e mão, e as genitálias, e assi os achão de ordinário pelas praias com estes cousas menos. (50) A descrição de Cardim, tal qual se apresenta, parece indicar que ambos os sexos desses monstros marinhos canibalizam as suas vítimas, castrando-as. Se em Gandavo permanece ambíguo o tratamento do tropo da feminização da natureza, referida ao monstruoso, em Fernão Cardim essa figuração deixa-se entrever de forma sugestiva, buscada a outro tropo da mentalidade religiosa medieval. Trata-se da conhecida imagem demonológica da vagina dentata que, de forma emblemática, reproduzia aquele ancestral medo masculino da sua aniquilação viril perigada pela suposta incontinência libidinosa imposta ao gênero feminino e à sua regência natural: “Christianity made the vagina a metaphor for the gate of hell and revived the ancient fearinducing image of the vagina dentata (toothed vagina) that could bite off a man’s penis” (328). Imagens como essa complementam, em termos retóricos e discursivos, a pragmática do projeto político e ideológico da conquista e da colonização baseada na sujeitação de um estado de barbariza ção impingido ao colonizado. Na literatura e na iconografia dos descobrimentos e da colonização da América, a realidade americana, retratada, dentre outras, por derrogat órias imagens tropológicas da feminização e da animalização, corresponde a uma representação dial...

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