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YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY VÍNCULOS HOMOSSOCIAIS E HOMOERÓTICOS EM DOM CASMURRO DE MACHADO DE ASSIS CAMILO GOMIDES OS leitores contemporâneos de Machado de Assis, segundo o que nos apresenta Roberto González Echevarría, em The Cambridge History of Latin American Literature, liam os seus textos simplesmente como fic- ção; saboreando o humor e o páthos, sem fazer uma análise mais profunda do que estava nos bastidores da mente do autor e sem um estudo detalhado da psicologia das personagens. Mas desde a morte do autor em 1908, passamos a entender que essas ficções de leitura intensa, foram também cuidadosamente construídas para serem lidas em diferentes níveis. O melhor exemplo da multiplicidade de Machado de Assis talvez seja Dom Casmurro, onde um homem solitário e de meia idade, nos conta a história de sua vida – o amor por sua namorada de infância, Capitu, com a qual ele toma todas as medidas possíveis para se casar, mas que, mais tarde, vem a traí-lo com seu melhor amigo, Ezequiel de Souza Escobar. Pelo menos essa era a forma através da qual o romance era lido desde seu lançamento em fascículos em 1899. Esta maneira de lê-lo seguiu até 1960, quando Helen Caldwell, uma professora norteamericana , descobriu que por trás da narrativa de Dom Casmurro, meio escondido tanto no que ele diz, como no que ele deixa sem dizer, se encontra uma segunda narrativa móvel e absolutamente contraditória – a história de uma mulher inocente, destruída pelo ciúme insano de seu marido: The Brazilian Othelo. Ambas narrativas – a história de Dom Casmurro, como nos apresenta o narrador-advogado, já avançado em anos, e a história de Capitu, a qual construímos a partir das evidências oferecidas por esse narrador em primeira pessoa – são coerentes. Mas parece que o principal objetivo de Machado de Assis é dizer que os YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY 247 acontecimentos da vida real – em oposição à ficção – são demasiado complexos e ambíguos para serem interpretados e entendidos até mesmo por aqueles que os experimentam. O charme da estória deriva em parte da mistura de clareza de estilo e simulação na interação dos desejos inexplícitos e repressões. Assim, aquele que tenta desvendar explicitamente os desígnios da estória, acaba falando mais de si mesmo do que da própria estória – um perigo freqüentemente enfrentado por aqueles que se esforçam em interpretar os contos e os romances de Machado de Assis, principalmente os narrados em primeira pessoa. Neste ponto proponho uma leitura sobre os vínculos homoeróticos e homossociais de Dom Casmurro. Para chegar ao que pretendo, gostaria de apresentar primeiro, uma observação feita por Roberto Schwartz em seu ensaio, “A poesia envenenada de Dom Casmurro”. Neste ensaio Schwartz comenta o seguinte sobre a posição de Helen Caldwell em seu livro The Brazilian Othello of Machado de Assis: “uma professora norteamericana (por ser mulher? por ser estrangeira? por ser talvez protestante ?) começou a encarar a figura de Bento Santiago – o Casmurro – com o necessário pé atrás” (Schwarz 9). Valendo-me das perguntas de algibeira apresentadas por Schwarz em relação à Caldwell, e com um necess ário pé-atrás, ao ler a narrativa oferecida pelo advogado de acusação Bento Santiago, percebo que há nela, como característica intrínseca do narrador em primeira pessoa, o selo da ambigüidade, que sempre deixa margem à subjetividade. Assim, volto à análise pretendida, com o intuito de apresentar que no livro Dom Casmurro, onde Machado de Assis restaura , a seu modo, o triângulo amoroso, ocorre uma perfeita triangula- ção do desejo entre a tríade Bento-Capitu-Escobar, que nos induz uma leitura homossocial e homoerótica do romance. Inicio minha análise dizendo que, em Dom Casmurro, Capitu serve de conduto “a Lévi-Strauss” para o amor/desejo/ódio de Bento a Escobar . Este ponto pode ser aclarado na citação que faz Gayle Rubin sobre Lévi-Strauss no capítulo “The Traffic in Women: Notes on the ‘Political Economy’ of...

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