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Reviewed by:
  • The Carnivalesque Defunto: Death and the Dead in Modern Brazilian Literature
  • Valéria Torres da Costa e Silva
Moser, Robert H. The Carnivalesque Defunto: Death and the Dead in Modern Brazilian Literature. Athens, OH: Ohio University Research in International Studies, 2008. 324 pp.

Apesar da recorrência da imagem do defunto na literatura brasileira, esse tema vem sendo ignorado pela crítica, que não consegue identificar uma presença significativa do fantástico nessa tradição letrada. Eis a constatação que serve de mote ao livro de Robert Moser. E aí reside, certamente, a primeira importante contribuição do autor, empenhado em demonstrar a formação do corpo redivivo como motivo literário recorrente (topos) no Brasil. Realizando um passeio panorâmico pela literatura brasileira, Moser aventa uma extensa lista de escritores, que desde o século XIX, se utilizam dos defuntos como estratégia retórica para comentários sociopolíticos. Postos de lado alguns excessos passíveis de questionamento – a exemplo da inclusão de Macunaíma nesse balaio –, Moser é bem sucedido na demonstração de que há uma tradição literária no Brasil, perene e canônica, que se inaugura com o clássico dos clássicos, Memórias póstumas de Brás Cubas (1891), de Machado de Assis, se perpetua no século XX, e se distingue de outras tradições ocidentais, em geral, e americanas, em particular, por um conjunto de atributos que o autor reúne no conceito de defunto carnavalesco. Registre-se que Moser tem toda razão ao apontar lacunas na crítica literária americana (relativa às Américas) e latino-americana, que com frequência deixa a literatura brasileira de fora das análises comparativas. Seu livro, em parte, é uma resposta a essa ausência.

A segunda grande contribuição de Moser para uma melhor compreensão de certas expressões da literatura brasileira reside precisamente na apresentação e defesa, primorosas, do argumento de que a imagem dos mortos como topos na literatura brasileira moderna deve ser compreendida – com a ajuda da Antropologia – em termos de uma experiência sociohistórica em que os mortos cumprem um papel social importante, rotineiro e ritualizado, e estão muito próximos aos vivos – psicológica, emocional e fisicamente. E esse é o contexto mais amplo no qual se inscrevem, segundo o autor, as cinco narrativas analisadas: Memórias póstumas de Brás Cubas; A morte e a morte de Quincas Berro d'Água (1961) [End Page 182] e Dona Flor e seus dois maridos (1966), de Jorge Amado; Incidente em Antares (1971), de Érico Veríssimo; e Ópera dos mortos (1967), de Autran Dourado.

Ler tais obras contra o pano de fundo sociocultural delineado por Moser, de fato, permite perceber como o motivo do defunto na literatura brasileira tem configurações particulares. Os fantasmas brasileiros não funcionam como oráculos – representação clássica –, dificilmente são apresentados como projeções de mundos interiores tumultuados, como no repertório gótico, nem são sinais de uma história coletiva de opressão, marginalização e traumas não superados, como nas narrativas hispano-americanas, caribenhas e norte-americanas de minorias. A prosa brasileira, argumenta Moser, traz fantasmas que são mais carnais do que espirituais; defuntos que subvertem, corrompem e colocam a ordem social em suspeição, por meio do riso e da brincadeira maliciosa. Sem ser uma exclusividade das letras brasileiras, o defunto carnavalesco – carnal, bacaniano, sensual, que retorna para comer, beber, dormir com, e rir dos vivos – seria a figura por meio da qual a literatura se conecta ao ethos da malandragem e da carnavalização, essas sim assumindo configurações características, derivadas e conformadoras da experiência histórico-culural brasileira. Ao mesmo tempo, o defunto carnavalesco é a incorporação de esperanças, medos, valores e sonhos de uma ordem coletiva.

O argumento de Moser de que o topos do defunto possui um significado metafórico que evoca a relação do Brasil com seu próprio passado é provocador. Segundo ele, o defunto carnavalesco, espécie de malandro sobrenatural, aparece em tempos de transição sociohistórica, justamente quando...

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