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Reviewed by:
  • Cenas avulsas: Ensaios sobre a obra de Machado de Assis
  • Renata Coelho Marchezan
Gomes, André Luís, org. Cenas avulsas: Ensaios sobre a obra de Machado de Assis. Brasília: LGE, 2008. 287 pp.

No domínio da linguística, Noam Chomsky mostra a produtividade da gramática, considerada um mecanismo finito de regras que engendra um conjunto infinito de frases. Em outro âmbito de reflexão, o Círculo de Bakhtin enfatiza a produtividade não tanto da palavra, nem muito menos da frase, mas do enunciado, ao enfocar a citação e, mais amplamente, o caráter dialógico da linguagem, que acabará por se desdobrar nos conceitos de intertextualidade e também de interdiscurso.

Essas questões ocorreram-nos ao considerarmos um trecho da "Advertência," "A verdade é essa, sem ser bem essa," com que Machado de Assis abre seus Papéis avulsos, e de que se vale o organizador do livro ora resenhado, André Luís Gomes, no encerramento de sua "Apresentação." Com Machado, o organizador e, concordando com este, a resenhista ressaltam os laços de família existentes entre os capítulos, e seus diferentes autores, que compõem Cenas avulsas: Ensaios sobre a obra de Machado de Assis. Sabemos, no entanto, que a citação – o recorte e a nova combinação – promove ressignificações do citado. Exploremos algumas. Para o organizador, seu livro reúne cenas, e não papéis; quer, assim, destacar que os capítulos são palcos, espaços de discussão, nos quais convida, explicitamente, o leitor a entrar, para "compor outras Cenas …" (11). Voz cautelosa e contemporânea, não apresenta uma obra fechada, nem acabada; já a oferece aberta a novas entradas, ensaios e interpretações.

De nossa parte, recorremos à citação da citação para não somente tecer os comentários acima, mas também destacar o enunciado "a verdade é essa, sem ser bem essa." Seu sentido um tanto paradoxal, levemente irônico, já nos coloca tanto em sintonia com o texto machadiano, quanto atentos ao modo como ele foi tratado nas Cenas. Nessas, as análises não se fixam em uma dimensão, uma categoria, não se prendem, todas elas, a um único tratamento teórico, a um único modo de observar, de analisar. Tratar-se-ia da imposição do próprio texto-objeto, da própria genialidade de Machado? Ou de determinações de uma época de fragmentações teóricas?

Na análise das análises, ou seja, na apreciação, desta resenha, sobre a forma de composição interna dos capítulos, verifica-se que são construídos com a exploração de fronteiras entre conceitos, de tensões entre dimensões. Pode-se visualizar, esquematicamente, esse 'modo de ver' a obra machadiana da seguinte [End Page 211] maneira: dado x, tem-se, na obra machadiana, mais do que x; sem ser x, mas como se fosse x; ou ainda, dado x versus y, tem-se, na obra machadiana, x, mas também y; nem x, nem y; entre x e y; x em relação com y.

Antecipando uma ordenação das Cenas, que os leitores obedientes podem acompanhar, o sumário do livro está organizado em quatro partes dedicadas ao exame da obra machadiana: o romance, o conto, a crônica e o teatro. Os capítulos que elas compreendem se enlaçam ao reconhecer identidades e também particularidades entre os quatro tipos diferentes de texto. Mais exatamente, sem negar as particularidades, insistem nas identidades, como mostram recorrentes expressões, tais como: das crônicas aos romances, do dramaturgo ao contista, da peça ao conto, entre o crítico e o dramaturgo, entre a crônica e o conto, as relações do cronista com o defunto autor. As crônicas estão no 'sangue' de Machado ou o que parece contrário disso: a crônica é o laboratório do contista, do romancista (238). Reconhece-se, assim, uma "oficina de produção textual, em que a habilidade adquirida, em vez de gerar a estabilidade, provocava cada vez mais a experimentação formal" (91). É nesse domínio de...

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