Abstract

Este artigo propõe uma hipótese alternativa para a interpretação de Dom Casmurro baseada na análise de um detalhe enigmático do romance – a citação incompleta do epitáfio retirado de um trecho bíblico e colocado no túmulo de Ezequiel, filho de Capitu ("O Enigma de Ezequiel"). Baseado na solução proposta para esse enigma , o artigo apresenta evidência para demonstrar a existência de um terceiro nível de interpretação do romance. Assim, além da leitura mais rente aos acontecimentos narrados ('nível literal') e daquelas interpretações que vêem no romance uma crítica ao modo de funcionamento da sociedade brasileira e às suas contradições ('nível historico-social'), que correspondem às interpretações em primeiro e segundo nível, o artigo propõe um nível subjacente adicional ('nível moral') em que o tema central de Dom Casmurro é visto como relacionado à questão moral da escravidão. Ou seja, o artigo argumenta que o romance contém, de maneira subjacente, uma lição moral, fundamentada em preceitos éticos derivados de uma passagem da Bíblia – o episódio do Rei de Tiro do Livro de Ezequiel – que fornece a chave para a interpretação alegórica que o artigo propõe. Deste ponto de vista, ao invés do julgamento de Capitu por um suposto adultério, que constitui o tema do nível literal do romance, o tema do nível moral subjacente de Dom Casmurro implica na absolvição de Capitu e envolve, na verdade, o julgamento e punição de Bento Santiago e de seu amigo Escobar—e por extensão, a condenação moral da sociedade escravagista brasileira que ambos representam.

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