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  • O narrador vozes do masculino e do feminino em Acqua Toffana e Valsa negra
  • Patrícia H. Fuentes Lima

Naquela semana eu contei: treze matérias de jornais, sete reportagens na TV e duas capas de revista. Quem é o estrangulador da Lapa? Eles gostam do meu marido porque meu marido arranca o peito esquerdo das mulheres. Delegado, pare de me fazer perguntas. Respeite o meu desespero.

(Acqua Toffana 31)

A escritora brasileira Patrícia Melo nasceu em 02 de outubro de 1962, na cidade paulistana de Assis. É dramaturga e roteirista; e também conhecida no Brasil por ter adaptado o romance do escritor brasileiro Rubem Fonseca, Bufo & Spallanzani para o cinema. A autora de Acqua Toffana e Valsa Negra é notória por descrever nos seus livros, os mecanismos e meandros psicológicos da mente criminosa assim como as estratégias de manipulação utilizadas por eles na realização dos seus crimes. As obras analisadas neste texto oferecem ao leitor as trajetórias biográficas de duas mentes criminosas desde do seu alegado estado de sanidade mental até o completo colapso moral e psíquico. Este artigo prioriza a discussão sobre a violência no contexto das relações de gênero e aponta a memória e a nostalgia como fatores importantes na manutenção e permanência de identidades do feminino e do masculino brasileiro. O artigo também enumera as estratégias textuais utilizadas pela escritora brasileira Patrícia Melo (para construir um narrador subjetivo e instável emocionalmente). Os depoimentos destes personagens conduzem-nos frequentemente ao estado de incredulidade ou “suspension of belief”. Os relatos dos narradores em Acqua Toffana e Valsa Negra se apresentam submetidos a uma realidade contemporânea e a estados de espírito depressivos e doentios. A autora reserva a sua crítica à existência [End Page 123] acelerada dos grandes centros urbanos, símbolos do tempo linear (político e histórico). Neste tipo de existência, a única janela para a sublimação parece ser a televisão, em oposição ao tempo maternal (cíclico e monumental). Seus personagens-narradores – Rita Marcondes e Maestro – são indivíduos cuja expressão vital não se adequa às expectativas igualitárias que se formulam publicamente a respeito de homens e mulheres na sociedade contemporânea americana e por consequência na vida brasileira. Ideário semelhante pode ser lido diariamente em um número expressivo de revistas americanas e européias: Cosmopolitan, Glamour, Marie Claire, todas elas destinadas ao público feminino brasileiro, na forma de suas versões nacionais. Este ideário pode também ser visto nas protagonistas do cinema, que apregoam que a mulher moderna seja independente economicamente, intelectualmente preparada, sexual-mente emancipada e talhada para uma realidade fora do casamento. Enquanto o homem moderno, por sua vez, deve respeitar a independência e a sexualidade feminina, não tratando a mulher como propriedade ou prêmio. Neste sentido, tanto Maestro, em Valsa Negra, quanto Rita Marcondes, em Acqua Toffana, são personagens sociais que estão em desacordo com essas mensagens ou contra o “politicamente correto”. Embora, os dois personagens vivam em uma das cidades mais pujantes do Brasil, São Paulo, ambos vivem memórias de outro tempo e sentimentos anacrônicos.

Maestro, personagem masculino, sonha com o século XIX, com a época do compositor alemão Wilhelm Richard Wagner (1813–1883), em que os maestros simbolizavam virilidade e vigor artístico. Maestro apega-se a reminiscências remotas e a símbolos de status e poder (como o fato de sua profissão ser exercida por indivíduos qualificados, e detentores de uma cultura erudita e de elite). O Maestro se educa na tradição colonial brasileira:

Música erudita é para poucos, sempre foi, mesmo a opera. Antes de ser popular, na Itália era arte de corte dos amantes da tragédia grega e conhecedores de história. Continuamos tão elististas quanto no século XVIII. Só que mais isolados sem prestígio, inúteis. É uma profissão condenada, profetizam alguns.

(Valsa Negra 106)

Ele externa sua frustração e perda de poder, submetendo a orquestra a ensaios intermináveis...

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