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YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY VER E NÃO VER EM ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA DE JOSÉ SARAMAGO ALESSANDRA M. PIRES O romance Ensaio sobre a cegueira (1995), do autor José Saramago, apresenta uma quase-fábula, na qual o olhar funciona como protagonista . O autor propõe a desintegração e a reconstrução dos personagens que subitamente se tornam cegos no centro urbano. Tudo o que a princípio não se pode explicar, se rotula como problemas de “nervos”, como o indica um dos personagens: “Isso passa, vai ver que isso passa, às vezes são nervos, disse uma mulher” (12). O primeiro dos personagens a experimentar esse ‘mar de leite’ (14), como o narrador qualifica a cegueira, tem seu carro roubado pelo mesmo indíviduo que irá ajudá-lo, após o evento se deflagrar em meio ao trânsito, levando-o para casa. O Ensaio sobre a cegueira tem predecessores em romances como A Peste de Albert Camus, romance no qual os personagens são evacuados e isolados devido a uma suposta doença que os rodeia, forçando-os a uma convivência e a uma compreensão do outro. O sofrimento introduz sentimentos como a passividade e a impotência, mas através dele cresce a consciência do absurdo, como o formulou Emmanuel Lévinas: “que dans son phénomène propre, intrinsèque, la souffrance soit inutile, que’elle soit [la souffrance] pour rien, est donc le moins qu’on puisse dire.” (102) Esta análise investiga o Ensaio à luz da reação experimentada pelos personagens nesta situação de isolamento. Proponho considerar a maneira como os fatos projetam todos os personagens em direção à descoberta do Outro. Além disso, os personagens redescobrem seu próprio corpo em meio à cegueira epidêmica na qual estão inseridos, fato que modifica a convivência e a leitura que possuíam até então de si mesmos. A cegueira neste Ensaio de Saramago reverte os fatos lógicos, traduzindo YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY 15 a lógica a um claro/escuro que remete à falta de luz; a lógica equivale a um excessso de luminosidade, na ambigüidade e no invisível: “ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava, mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres, tornando-os, por essa maneira, duplamente invisíveis” (16). A partir dessa consideração, nota-se que a invisibilidade dos seres humanos fazia parte de um cotidiano anterior à existência da epidemia; uns ignoram os outros, vivem sem ver e sem serem vistos; como aponta o médico, personagem do romance “É desta massa que somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade” (40). Uma situação niilista estabelece-se em torno dos personagens e da vida cotidiana que segue sem esperanças. A diferença que causará mudanças revela uma cegueira que não mais é privada, mas coletiva. A coletividade imposta sugere o motivo para que o desejo de ver o Outro se faça presente. O autor interv ém dizendo que existe uma crença, segundo a qual a cegueira não se pega, A morte também não se pega, e apesar disso todos morremos (41); isto é, qualquer forma de crença terá que ser revista diante da quarentena a qual se submeterão os contagiados pela cegueira súbita. Sabemos que vida e morte coexistem no mesmo espaço, no entanto, no caso de O Ensaio sobre a cegueira, a morte omnipresente sobrepujará a vida, a morte será a conscientização da existência da dor alheia, do olhar do outro, que dará lugar à vida refletindo sobre a morte. O grande tema do olhar está omnipresente neste romance a outros sentidos ou sensações que irão adqüirir importância pouco a pouco: olfato, audição e tato desvelam a existência do Outro, que aparece com ou sem afinidade aos sentidos : “Também não se surpreenderá que busquem todos estar juntos o mais possível, há por aqui muitas afinidades, umas que já são conhecidas , outras que agora mesmo se revelarão” (67). Quanto...

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