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  • O diabrete angélico e o pavão: Enredo e amor possíveis em Brás Cubas
  • Bluma Waddington Vilar
Almino, João. O diabrete angélico e o pavão: Enredo e amor possíveis em Brás Cubas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009. 100 pp.

Neste pequeno livro o romancista João Almino apresenta sua leitura das Memórias póstumas. Investigar o tema do amor num texto cujo narrador-protagonista tem como traço dominante a vaidade, o narcisismo, o amor-próprio e tentar mostrar a centralidade da relação amorosa entre Brás e Virgília no enredo não deixa de surpreender e até soar como provocação. A vaidade e o narcisismo de Brás são tão acentuados que não se limitam à personagem, ultrapassando a fronteira da morte e caracterizando igualmente o defunto autor que, no prólogo, diz querer "angariar as simpatias da opinião" e, logo no primeiro capítulo, julga seu escrito mais inventivo que o Pentateuco, porque "Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo." A vaidade, portanto, é também do Brás autobiógrafo, que contraria, em mais de uma ocasião ao longo do livro, as declarações feitas no capítulo 24 sobre o famoso "desdém dos finados" em relação à plateia dos vivos, ao "olhar agudo e judicial da opinião." Afinal, segundo afirma o defunto autor no capítulo 71, é "para esse mundo" que ele expede seus "magros capítulos." O próprio fato de alardear como privilégio dos finados a "franqueza" derivada de sua "liberdade" ou de seu "desdém" não seria manifestação de vaidade? Não seria ainda expressão do mesmo desejo de "uma preeminência," de "uma posição superior," admitido pelo jovem Brás, no capítulo 20? Ambição essa que, já naquela época, "desmontava Marcela," faziao esquecer a "paixão" pela cortesã cujas atenções pôde comprar por "quinze meses e onze contos de réis" e que o forçavam a deixar para trás indo estudar em Coimbra.

Apesar de reconhecer esse perfil egoísta e narcísico tanto do narrador quanto da personagem, Almino procura evidenciar as manifestações de um vínculo afetivo verdadeiro e duradouro entre Brás e Virgília, na tentativa de patentear "a existência de um enredo principal" cujo eixo seria essa relação amorosa: sem perder sua centralidade, tal enredo dialogaria com "enredos alternativos e apenas insinuados," como o episódio do flerte com Eugênia e o projeto de casamento com Nhã-loló, possibilidades essas que terminam não indo adiante. Para Brás, assinala o ensaísta, Virgília é "uma sua igual," ao contrário de Eugênia e Nhã-loló, consideradas "inferiores" (21). Mas o fato de não ter tido [End Page 178] seu amor "comprado com presentes e dinheiro, como o da espanhola Marcela" (22), não significa que não negocie em matéria matrimonial: tão bem-nascida e rica quanto Lobo-Neves e Brás, preferiu o mais objetivamente ambicioso e apto a torná-la marquesa, assim "elegeu a águia, deixando o pavão com o seu espanto." Eugênia talvez seja a personagem feminina mais digna de toda a ficção romanesca madura do autor. Virgília, contudo, espelha Brás, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto em termos de caráter ou das falhas deste. "A aspiração ao prestígio social, ou seja, ao reconhecimento da opinião, será responsável tanto pela aproximação entre Brás e Virgília quanto por sua separação" (32), como bem observa Almino. Nos dois primeiros capítulos, o ensaísta discute, portanto, o papel central que Virgília teria no livro e como o enredo se estruturaria em função desse eixo constituído pelo relacionamento entre ela e Brás. No capítulo 56 de Memórias póstumas, o narrador enuncia o que poderia ser uma constatação de valor geral: "Não há amor possível sem a oportunidade...

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