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Latin American Music Review 27.1 (2006) 69-78

Perspectivas atuais na pesquisa musical e estratégias analíticas da Música Popular Brasileira
Gerard Béhague

É sabido que a música popular brasileira dos últimos 40 anos teve repercussão internacional que só se pode comparar com a das músicas caribenhas (especialmente Cuba e Jamaica). Desde o aparecimento da Bossa Nova, seguindo-se a tropicália, a música nordestina, as várias expressões do samba, a música sertaneja e as inúmeras variedades urbanas dos últimos 20 anos, incluindo o punk rock, o rap, o charm e soul, a techno e dance, o rock alternativo, o heavy metal, o funk (e tantos mais das chamadas tribos urbanas e suas variantes regionais), a música popular tem se desenvolvido de forma cada vez mais pluralista. Por isso mesmo, já não se pode mais falar em música popular, no singular, mas sim em músicas populares cujas expressões correspondem a ideologias mais ou menos bem definidas e à dinâmica bastante complexa de identidade social, dentro da estratificação vigente cada vez mais fragmentada, incluindo a chamada tribalização dos jovens. Também algumas dessas músicas populares refletem o Brasil atual como o sexto mercado musical do mundo onde há uma constante assimilação, experimentação e reprodução dos modelos e gêneros estrangeiros que já não se opõem à busca da identidade nacional, pois essa identidade também é múltipla e polissêmica.

Com poucas exceções, os estudos dessas músicas populares revelam uma ótica bastante limitada, pois ou privilegiam um ponto de vista pre­dominantemente disciplinar (como a sociologia, a semiótica, o estudo literário das letras de canções, etc.) ou tratam das figuras e coisas da música popular de forma jornalística, anedótica, ou ainda quase puramente visual (antologias fotográficas como é o caso da História da MPB do Ricardo Cravo Albin publicada pela FUNARTE). Por outro lado, algumas publicações parecem pecar pela atração mercadológica do produto, ao inventar e anunciar pomposamente coisas tão irreais como o "som brasileiro", The Brazilian Sound (o título do livro de Chris McGowan e Ricardo Pessanha, 1991 e 1997), como [End Page 69] se diz do "Liverpool Sound" ou do "Miami Sound". Esses tipos de idealização e de abordagens são muito problemáticos por favorecerem interpretações ou simplesmente narrativas dos pesquisadores (frequentemente com um modelo teórico e metodológico pré-estabelecido) e, consequentemente, por não serem representativos da realidade dos significados atribuidos pelos produtores e consumidores das músicas populares. A etnomusicologia tem insistido, já de longa data, na tal da perspectiva "êmica" nos estudos das chamadas músicas tradicionais, mas, de modo geral, os estudos de música popular não apresentam em medida significativa essa preocupação, talvez por serem sem dúvida multi e inter-disciplinares. De fato, as músicas populares são estudadas por musicólogos, etno­musicólogos, historiadores, sociólogos, antropólogos, pesquisadores em comunicação, em estudos da performance, em estudos e práticas culturais, em ciência política, em literatura e até em linguística, semiótica, economia e finanças. E muitas vezes com vistas ao modernismo, pós-modernismo, pós-colonialismo, globalização, hibridez, autenticidade, sem esquecer hegemonia, cooptação e resistência. (O livro Samba, Resistance In Motion [1995] de Barbara Browning, professora de estudo da performance da Universidade de Nova Iorque, é surrealista, o título até parece um tratado de física mecânica!). Por mais sofisticados que possam parecer esses estudos são quase sempre de cima para baixo. Fora disso, é por demais evidente que essa multi­disciplinaridade resulta num estudo um tanto paradoxal quando o produto musical é visto através de prismas alheios ao fenômeno sonoro e suas relações com esses prismas. São poucos os estudos que consideram...

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