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  • A dialética entre o eu e o outro em Viagem ao México, de Silviano Santiago
  • Marcus V. C. Brasileiro

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua deLuís de CamõesGosto de ser e de estarE quero me dedicar a criar confusões de prosódiaE uma profusão de paródiasQue encurtem doresE furtem cores como camaleões

Caetano Veloso

Silviano Santiago é considerado um intelectual que se comporta de modo paradoxal diante da tradição literária e cultural brasileira. Segundo Eneida Maria de Souza, em Marioswaldo pós-moderno (2008), Silviano Santiago constitui o seu lugar de enunciação a partir de um gesto de traição e de fidelidade em relação aos modelos da tradição literária ocidental.1 Em uma entrevista na qual fala do seu mais novo romance, Heranga (2008), o escritor mineiro comenta também sobre os rumos da produção cultural brasileira contemporânea. Perguntado se em alguns de seus romances já teria representado a alta burguesia brasileira, responde que:

[. . .] Nunca. E mais fiquei tentado a representá-la neste momento em que o "pão pão queijo queijo" do cinema e da literatura nacionais é a representação das classes populares, economicamente miseráveis. Não julgo filmes e livros equivocados, é claro. São retratos da realidade. [End Page 119] Estão certíssimos. Parecem-me, no entanto, incompletos no mapeamento das classes sociais no Brasil.2

Este posicionamento de Silviano Santiago revela o desejo de efetuar um desvio de rota dentro do fluxo cultural contemporâneo no Brasil. Este desvio se constitui a partir da construção de um olhar que busca o suplemento, que aqui significa, a partir de Jacques Derrida, estar interessado em um tipo de escrita que situa seu olhar de modo a revelar as lacunas, os vazios e as contradições que se revelam dentro de uma determinada realidade. A obra de Silviano Santiago se constitui como um tipo de escrita literária que, pelo simples fato de poder ser enunciada, já se constituiria como um gesto de redimensionamento de valores, gesto poético por excelência.

A finalidade deste ensaio será discutir Viagem ao México (1995), romance muito pouco lido de Silviano Santiago. O trabalho de leitura realizado aqui sera informado pela necessidade de estabelecer um debate sobre os modos de confrontação das formas autoritárias de constituição identitária, quer no âmbito cultural coletivo, quer no âmbito individual. A discussão em torno de Viagem ao México permitirá situar algumas questões sobre o debate da formação da identidade cultural latino-americana. Aspectos importantes nessa discussão são, entre outros, a relação da América Latina com a cultura europeia (principalmente Espanha, Portugal e França); o papel do intelectual na sociedade; e o processo de formação de políticas culturais autoritárias. Viagem ao México funcionará, assim, como a base para as discussões dos projetos utópicos que constituíram o imaginário político-cultural do século XX no contexto latino-americano.

Teatro do Debate Pós-Colonial

Viagem ao México (1995) narra a viagem do poeta, ator e dramaturgo francês Antonin Artaud (1896-1948), de Paris ao México, em busca de inspiração para o seu projeto de renovação do teatro francês. A narrativa apresenta duas temporalidades distintas: 1936, momento de atuação de Artaud; 1992, o momento em que o narrador, metatextualmente, constrói a narrativa de Artaud. Esse olhar acompanha Artaud desde os preparativos da viagem até o período que ele passa no México, fazendo rápidas incursões pela sua infância. Do ponto de vista temporal, o arco que se estabelece no decorrer da narrativa do percurso de Artaud varia entre os anos de 1902 a 1936.

O narrador, ao mesmo tempo em que narra os episódios da viagem de Artaud (desde a preparação dos documentos necessários, passando pela estadia no navio, pela escala em Cuba, até a chegada ao México e o envolvimento de Artaud com os intelectuais mexicanos), faz tamb...

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