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AUTODIEGESE, FICÇÃO E PACTO: OS LIVROS PESSOAIS DE GRACILIANO RAMOS E O CONCEITO DE AUTOBIOGRAFIA por Marcelo da Silva Amorim University of North Carolina-Chapel Hill NESTE artigo, encontrar-se-á uma discussão que põe em paralelo as narrativas Memórias do cárcere e Infância, ressaltando os pontos em que elas se aproximam e se afastam com relação a determinados aspectos constitutivos. Considerados pela crítica como as duas obras confessionais de Graciliano Ramos, tais livros apresentam semelhanças e diferenças importantes que levam a questionar o próprio conceito do gênero a que são comumente associados. Essas narrativas serão confrontadas com a conhecida classificação de Philippe Lejeune , que tentou estabelecer as bases teóricas para compreender-se o gênero autobiográfico. Elegeu-se Lejeune devido à natureza extremamente normativa de sua classificação, embora também constem aqui as visões de outros estudiosos do assunto e da teoria literária em geral. Dessa forma, verificar-se-á em que medida, nos dois livros em questão, o leitor conseguirá estabelecer rela- ções de identidade entre autor, narrador e protagonista, o que é uma das exig ências apontadas por Lejeune para a definição de autobiografia, e até que ponto o leitor conseguirá identificar a natureza de um pacto proposto pelas narrativas. Em suma, tentar-se-á explicar como Memórias do cárcere e Infância comportam-se diante da noção que Lejeune propõe para autobiografia e como colocam em xeque alguns de seus conceitos. O leitor de Graciliano divisará, em várias de suas obras, uma narrativa confessional que se imiscui na fabulação ficcional. A incerteza do leitor diante do discurso indefinível, fora dos paradigmas de classificação, levará a questio77 namentos apenas aparentemente ingênuos. Em Infância, por exemplo, ele se indagará, em face de um protagonista sem nome, se não é coincidência demais que as aventuras relatadas pelo narrador sejam idênticas, em muitos aspectos, à história factual do próprio autor, ou que alguns dos personagens e eventos migrem ao longo de seus romances e contos. Os personagens parecem saltar da trama da prosa para a trama da vida real, e dali novamente para a ficção, não havendo como os aprisionar por muito tempo em uma das instâncias. Sua escrita parece propor a diminuição da nitidez das linhas que traçam os limites entre o imaginário e o real. A derrocada gradual, mas jamais levada a cabo plenamente, dos muros dessa fronteira oferece uma interrogação que faz centrar a atenção do leitor sobre a própria elaboração da obra, sua matéria, seu ponto de vista, sua dinâmica. A escritura da obra propõe, e ensina, uma leitura que considere um território onde as leis do ficcional e do factual perdem sua hegemonia, tornam-se distensas, quase inócuas – uma leitura que reclama a superação da divisão de gêneros em campos opostos e incompatíveis. A obra de Graciliano é como um vetor cujo vértice aponta para um desfecho cada vez mais assumidamente pessoal quanto à forma. Conforme se trilha o caminho de volta, ao ponto de sua origem, porém, percebe-se que a forma é mais conseqüência do que escolha: é um desdobramento natural de toda a trajet ória percorrida pelo desejo íntimo do escritor de significar a si mesmo: a forma possível de significar simultaneamente a história do homem que foi Graciliano e a história do homem como ser social. Do menino maltratado ao homem encarcerado, a trajetória da obra de Graciliano simboliza o desvalimento do homem histórico em vários aspectos, fazendo refletir a dinâmica do seu modo abstrato de ser em uma forma de gênero aproximadamente concreta. Ou seja, a autonarrativa será tanto mais definida com relação à forma quanto mais imperiosa sua necessidade de representar o homem, apresentando-se a si mesmo. Os subgêneros que se reúnem sob o rótulo genérico “autobiografia” apenas raramente gozam de um estatuto de correspondência ou compatibilidade entre si. Mas o hiperônimo “autobiografia” é frequentemente empregado de...

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