In lieu of an abstract, here is a brief excerpt of the content:

Hispanic American Historical Review 80.2 (2000) 299-332



[Access article in PDF]

Estado, capital cafeeiro e crise política na década de 1920 em São Paulo, Brasil *

Renato Monseff Perissinotto


Os Presidentes da República e do estado, embora lavradores, se acham nestas posições não como lavradores, porém como políticos proeminentes. Neste caráter pouco tem a lavoura a esperar deles, que, acima de tudo, encaram a política em suas fascinadoras miragens aqui e além-mar.

--Diário Popular, 26 January 1899

O presente artigo pretende analisar aquilo que poderíamos chamar de o "paradoxo da década de 1920". Durante esses anos, a economia exportadora cafeeira encontrava-se no seu auge. A política de defesa permanente do café, iniciada em 1924, propiciou a elevação dos preços a níveis que há muito não se via.1 No entanto, os preços altos atingidos pelo principal produto de exportação brasileiro, graças a uma política estatal, não vinham acompanhados de tranqüilidade política. Como se sabe, a década de 1920 foi um dos períodos mais politicamente conturbados da história brasileira. O descontentamento político, contudo, não atingia apenas os setores mais radicais das classes populares (classe operária, as várias revoltas "tenentistas"), como normalmente se pensa. Não se limitava também aos setores dissidentes das "oligarquias regionais" [End Page 299] (mineira, gaúcha, paraibana), que, no final da década, estariam à frente da Revolução de 1930. Surpreendentemente, ao lado dessas forças crescentemente oposicionistas, postava-se grande parte do mais forte setor da classe dominante brasileira, isto é, aquele ligado, ao mesmo tempo, à produção e exportação de café e que chamaremos aqui de capital cafeeiro.2

Se acompanharmos de perto o desenrolar histórico da década de 1920, veremos que os mais importantes membros do capital cafeeiro vinham assumindo crescentemente uma atitude crítica e oposicionista com relação ao partido governante, o Partido Republicano Paulista (PRP). Num primeiro momento, fez isso atuando sobretudo no âmbito de suas associações de classe--em especial a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Liga Agrícola Brasileira (LAB)--e num segundo momento, organizando um partido político de oposição, [End Page 300] o Partido Democrático (PD), que se tornou uma ameaça concreta ao predomínio do PRP, até então absolutamente soberano na cena política paulista. 3

Este artigo pretende explicar, portanto, essa situação aparentemente paradoxal: como entender que a classe que objetivamente mais se beneficiava dos altos preços do café viesse a adotar uma postura crítica perante o Partido que promovia a prosperidade da economia exportadora através de políticas públicas contundentes, como era o caso da defesa permanente do café?

Pensamos que as teses tradicionais sobre o período em questão, que atribuem ao setor cafeeiro um domínio político inconteste, não podem explicar esse "paradoxo". Esses trabalhos geralmente apoiam-se na idéia de que os "cafeicultores" controlavam diretamente o aparelho estatal e, por isso, colocavam-no a seu serviço. 4 Dessa forma, fica difícil para essas interpretações, se [End Page 301] não impossível, incorporar às suas análises o conflito entre o Estado e os que supostamente o controlavam de maneira instrumental. Ao nosso ver, o "paradoxo da década de 1920" no Brasil só poder ser plenamente compreendido se introduzirmos na análise uma outra variável, qual seja, o Estado. Defendemos a hipótese de que os altos decisores paulistas, ainda que majoritariamente recrutados na classe economicamente dominante, como mostrou Joseph Love, 5 enquanto agentes estatais 6 eram obrigados a tratar de determinadas questões e tomar certas decisões que ultrapassavam de longe os estreitos horizontes de sua classe de origem. Cientes de que a efetividade de suas ações, a sua capacidade de tomar decisões e tratar das mais variadas questões (como saúde...

pdf

Share