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  • O povo no imaginário nemesiano by Paulo Jorge Augusto Matos
  • Carlos Nogueira
Matos, Paulo Jorge Augusto. O povo no imaginário nemesiano. Prefácio de Margarida Maia Gouveia. Lisboa: Colibri / IELT, U Nova de Lisboa, 2012. Pp. 194. ISBN 978-989-689-150-3.

Concebido como dissertação de mestrado em Literatura e Cultura Portuguesas, apresentada à Universidade dos Açores em 2003, O povo no imaginário nemesiano propõe-se verificar de que modo e em que medida a entidade a que se chama “povo” aparece na escrita de Vitorino Nemésio. Daí que a definição deste conceito amplo e de difícil apreensão seja a primeira preocupação do autor do ensaio, que na “Introdução” afirma: “Não nos importa aqui o Povo como aglomerado de cidadãos de um mesmo país. Importa-nos, antes, o povo como parte da população oposta às classes ditas superiores, como a burguesia e a aristocracia, ou seja, o estrato da sociedade mais desfavorecido em termos económicos e de instrução, e particularmente mais ligado ao mundo rural” (20).

Paulo Jorge Augusto Matos não ignora a instabilidade dos conceitos de “povo” e “popular”, e por isso apressa-se a notar que “a acepção de povo em Nemésio não se restringe a esta parcela social, mas abarca elementos de outras camadas da sociedade, desde que sejam porta-vozes de tradições e valores referentes a toda uma mesma comunidade” (20). Isto explica a atenção que Paulo Matos dá a Margarida Clark Dumo, personagem maior do romance Mau tempo no canal (1944), que, embora pertencendo à classe dominante, convive de muito perto com o estrato social subalterno e partilha das suas vivências e do seu imaginário.

Margarida Dumo lembra-nos como a literatura oral e a cultura popular tradicional não só aproximam classes sociais como também constituem uma expressão em que convergem temas, motivos e linguagens que podem interessar a receptores como formações culturais muito distintas. Margarida ouvia muitos textos da literatura popular quer ao seu tio Mateus Dulmo, que não desprezava as tradições literárias e culturais ditas populares, quer à “ama Mariana do Pico”, e era ela própria intérprete-autora de “lengalengas e modinhas populares” (157).

O povo no imaginário nemesiano analisa o que já muitas vezes se identificou na obra de Nemésio, mas nunca havia sido tratado num estudo sistemático: as representações e os significados do grupo social “povo” e do elemento “popular” na obra literária e ensaística do autor. Perante a amplitude do tema, Matos opta por uma visão de conjunto e, ao mesmo tempo, na medida do possível, de pormenor. As designações dos quatro capítulos sugerem bem as opções estruturais e de conteúdo do livro, que do princípio ao fim cruza informações recolhidas em narrativas, poemas, crónicas e artigos de Nemésio: “Povo: Uma constante na obra de Vitorino Nemésio”; “Mundividências populares (1. Povo, agente da História, 2. Crenças e festejos populares, 3. Imaginário popular e marcas de oralidade)”; “Povo e estrutura social açoriana”; e, “Personagens e contadores de histórias”. Isto é, “povo” como evocação “(objetivamente, ao [End Page 793] referir situações e manifestações do seu ser e estar, e subjetivamente, ao tomar a seu cargo a defesa daquele ou ao comentar situações entre populares ou entre populares e outras classes)”; e, o que acontece sobretudo na poesia, “povo” como matéria e “inspiração para criar” (170).

Estar no mundo foi, para Nemésio, estar em diálogo com o seu passado nos Açores, com as gentes das classes trabalhadoras e as tradições da cultura popular. Reside nesta característica biográfica e vivencial a origem da vocação de Nemésio para a inscrição do “povo” e do “popular” nos seus textos. Nascido no seio de uma família da pequena burguesia Nemésio cresceu muito influenciado quer pela família, em particular pelo pai, que ouvia música e lia poesia, quer por todos os usos...

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