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Reviewed by:
  • Legacy of the Lash: Race and Corporal Punishment in the Brazilian Navy and the Atlantic World by Zachary R. Morgan
  • Álvaro Pereira do Nascimento
Morgan, Zachary R. Legacy of the Lash: Race and Corporal Punishment in the Brazilian Navy and the Atlantic World. Bloomington, IN: Indiana UP, 2014. xiv + 320 pp. Illustrations. Notes. Bibliography. Index.

Após mais de vinte anos entre pesquisa, escrita, amadurecimento e a versão final, chega às nossas mãos esta bela obra sobre a história da Revolta da Chibata, de 1910, um movimento de marinheiros brasileiros, negros em maioria, que vinte e dois anos após a abolição da escravidão no Brasil revoltaram-se, exigindo mudanças substanciais no tratamento que lhes era dispensado pelo comando da Marinha de Guerra e pelo Estado Brasileiro. O diálogo com a farta bibliografia e a diversidade de fontes, pesquisadas em arquivos brasileiros, ingleses e norte-americanos, atestam o incansável e minucioso trabalho do autor. Sua capacidade de juntar todo este material revela a maturidade profissional alcançada.

O livro é obrigatório para interessados em escravidão, racismo, marinha, história social militar, disciplinamento, indústria bélica e corrida armamentista. A obra me encantou não somente pela diversidade temática, mas por incluir a revolta numa perspectiva atlântica. Morgan descreveu o possível peso dos contatos dos marinheiros brasileiros em Newcastle (cidade inglesa onde acompanhavam a construção de navios encomendados pela marinha brasileira) com marinheiros ingleses e trabalhadores dos estaleiros para o levante de 1910.

Antes de mostrar-nos suas conclusões, Morgan nos introduz às histórias do Brasil e da Marinha de Guerra, para localizamos os graves problemas naquela força armada, como a ausência de voluntários ao serviço militar e a indisciplina a bordo. Os futuros marinheiros eram recrutados à força ou foram recebidos quando crianças, por intermédio de policiais, juízes de órfãos ou pelos próprios pais. As relações entre marinheiros e destes com oficiais eram tensas. Algumas regulamentações que previam punições corporais aos indisciplinados procuraram garantir a subordinação à hierarquia e à disciplina militares. Como outros autores, Morgan também defende que eram justamente os negros livres e libertos—cada vez mais presentes na segunda metade do século XIX—os primeiros a caírem nas redes do recrutamento e os mais vulneráveis aos castigos de chibata, idênticos aos dos escravos.

Morgan fez uma importante análise social ao investigar trezentos e quarenta e quatro marinheiros, julgados entre os anos de 1860 e 1893, através dos respectivos processos criminais. As tabelas revelam as cores dos marinheiros, os tipos de indisciplinas ou crimes cometidos, os estados de origem e suas idades. Para Morgan, os marinheiros eram sobretudo jovens, negros, nordestinos e frequentemente desertavam. O autor também investigou as formas de castigo corporal sofridas por estes indivíduos, e concluiu que 58,5% deles haviam recebido chibatadas. O uso de chibata tornou-se corriqueiro nos vasos de guerra, sendo aplicado em quantidades maiores que as previstas em lei, como pôde ser evidenciado no processo que julgou um jovem oficial da Marinha por excesso de castigos. [End Page E58]

Até esta parte do livro e nos dois capítulos finais, o leitor encontrará um trabalho de pesquisa imenso, mas sem muitas novidades em relação ao escrito em outras obras. A originalidade deste trabalho está em localizar a marinha brasileira e seus homens do mar no mapa das transformações vigentes no Mundo Atlântico e que traçaram decisivamente os rumos que levaram à revolta. O impacto dos avanços tecnológicos na indústria bélica europeia (a inglesa Armstrong, em especial), o crescimento do mercado internacional de armas, as reformas navais que mudaram positivamente o perfil dos marinheiros britânicos e o radicalismo dos trabalhadores portuários ingleses tornaram-se raízes (roots) que alimentaram a mais ousada revolta de marinheiros que se tem notícias no continente americano.

Após descrever a precariedade dos navios de guerra da Armada e a instabilidade política da República na década de 1890, Morgan apresenta-nos ao perigoso caminho...

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