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  • As minas e a agulheta: romance e história em As minas de prata, de José de Alencar by Marcos Flamínio Peres
  • Wilton José Marques
Peres, Marcos Flamínio. As minas e a agulheta: romance e história em As minas de prata, de José de Alencar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015. 124 pp.

De modo geral, os impasses do processo de aclimatação do romance histórico no Brasil romântico estão, por assim dizer, no centro das preocupações do livro As minas e a agulheta: romance e história em As minas de prata de José de Alencar. Nesta obra, o autor procura demonstrar como o romance de Alencar resulta, na verdade, numa composição formalmente híbrida, sobretudo quando se leva em conta que é fruto do diálogo direto entre a matriz do modelo scottiano de romance histórico e as peculiaridades da imaginação que regiam as exigências seriadas do gênero folhetim. Dito de outro modo, o duplo movimento de aproximação e afastamento do modelo literário, expediente típico de culturas periféricas, fez com que, de alguma forma, a tendência folhetinesca, como aponta Antônio Arnoni Prado no prefácio do livro, acabasse por desarticular "a linearidade do romance histórico, ao ajustar os grotões da Colônia às configurações da quimera e do maravilhoso" (9).

Permeado por uma leitura precisa e ao mesmo tempo inovadora desta obra de José de Alencar, o livro de Marcos Flamínio Peres é dividido em três capítulos e uma conclusão que procuram compreender, nas palavras do autor, "como os textos que estavam em via de se constituir em matéria-prima da historiografia nacional […] se imiscuíram e amalgamaram à ficção" (16). Nessa perspectiva, já no primeiro capítulo ("A mistura de níveis") a reflexão crítica parte inicialmente da caracterização estrutural do chamado romance folhetim (forma de publicação, público-alvo, novo mercado de leitor) e de seu "primado da imaginação," para, posteriormente, tratar das relações entre ficção e realidade que materializam o cerne do romance histórico, apoiando-se, nesse sentido, na clássica interpretação de Lukács e sua figuração do "herói médio" em Walter Scott. Em outras palavras, é através da discussão sobre a inevitável convivência entre os "acontecimentos extraordinários" do primeiro gênero e "a pretensão à verossimilhança histórica" do segundo que, certeiramente, Flamínio Peres formula uma original chave de leitura para este romance.

No segundo capítulo ("A lei e a espada") o autor procura recuperar o pano de fundo histórico que foi usado por Alencar na composição de As minas de prata. Num momento de urgência histórica em que o jovem país procurava igualmente escrever a sua própria história, ainda ressalta o importante papel do historiador Francisco Adolpho Varnhagen na incansável tarefa de resgate e fixação de alguns livros dos tempos coloniais que se transformariam em referenciais fundantes para os historiadores e os ficcionistas. No caso deste romance alencariano, a principal fonte usada foi o Tratado descritivo do Brasil (1587), de Gabriel Soares de Sousa. Além disso, Alencar também se serviu da interpretação desta mesma obra feita pelo próprio Varnhagen na História geral do Brasil (1854–1857). Numa leitura paciente das fontes primárias e secundárias, Flamínio Peres mostra como Alencar fez a leitura "de datas, acontecimentos e personagens da história nacional" de maneira a "ajustá-los" a sua obra ficcional, impregnando tudo com "sua [End Page E44] poderosa fabulação" e ao mesmo tempo reforçando a sua "capacidade de síntese do momento histórico" (34). Dessa forma, o autor revela que, nem tanto ao céu nem tanto à terra, nesse romance de Alencar "as intrigas e vinganças de cunho individual da narrativa de capa e espada e de folhetim são contidas pela natureza, em princípio pública, do romance histórico, no qual o que está em jogo é a constituição de uma nação" (59...

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