Operários de empreitada: Os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (São Paulo e Mato Grosso, 1905–1914) by Thiago Moratelli (review)

Apesar de amplamente estudados para os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e países europeus, a literatura sobre os trabalhadores que construíram as estradas de ferro no Brasil é escassa. A maior parte da literatura a respeito dos trabalhadores das ferrovias no Brasil concentrou-se nos trabalhadores que operavam as ferrovias, não existindo muitos estudos sobre os trabalhadores que cuidavam da construção e manutenção dos leitos. A principal razão para essa lacuna na historiografia reside, provavelmente, na grande dificuldade de rastreá-los nas fontes. Como aqueles trabalhadores não eram empregados diretamente pelas companhias, não aparecem em seus relatórios e documentos. Do mesmo modo, é difícil acompanhar o grande número de empreiteiros e subempreiteiros que empregaram a grande maioria desses trabalhadores.

Quando comecei a examinar o tema, em 1996, a escassez de estudos era evidente. Aos trabalhos clássicos de história das ferrovias que incluíam seções sobre os trabalhadores, como o de Ademar Benévolo, juntava-se um pequeno número de estudos pioneiros, teses e dissertações, que procuravam examinar com mais ou menos detalhes os trabalhadores nas obras de construção de estradas de ferro em várias partes do país, principalmente no século XIX (José Cechin, Robert H. Mattoon Jr., Wilma P. Costa, Almir El-Kareh, Josemir Camilo de Melo, entre outros). Desde então, o número de trabalhos sobre o tema tem aumentado continuamente, ampliando o foco para inúmeras empresas em diversas regiões do país nos séculos XIX e XX (Colin Lewis, Ana Lanna, Maria Lúcia Lamounier, Robério Souza, Diego Carvalho, entre outros).

Nesse sentido, considero muito oportuno o livro Operários de empreitada, de Thiago Moratelli, que trata dos trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, no período entre 1905 e 1914, quando a estrada avançou de Bauru, em São Paulo, até Campo Grande, no Mato Grosso. O texto foi originalmente apresentado como dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campinas em 2009.

Conhecida como “a estrada da morte,” a saga da rápida construção da estrada de ferro em região tão inóspita, habitada pelos índios caingangs e sujeita a doenças endêmicas, já foi contada em trabalhos clássicos. Examinando um conjunto de fontes originais (relatórios da empresa, relatórios governamentais, jornais e outros), o autor concentra-se mais especificamente nas condições de vida e de trabalho nas obras de construção da estrada.

O livro está dividido em cinco capítulos, além da introdução e das considerações finais. O primeiro capítulo reconstitui as condições econômicas e políticas, a concessão inicial, empresários e empreiteiros, que promoveram a organização da empresa e viabilizaram a construção da ferrovia entre São Paulo a Mato Grosso. O segundo capítulo examina as ações dos empreiteiros, governo e agenciadores de mão de obra para o recrutamento dos trabalhadores. O capítulo terceiro trata das condições de vida e de trabalho, chamando a atenção principalmente para as condições insalubres, as doenças endêmicas, a violência nos acampamentos e os ataques frequentes dos índios aos armazéns e acampamentos nas obras de construção. O quarto capítulo analisa o papel da imprensa operária (e a disputa travada com a imprensa regular) ao denunciar as duras condições de trabalho nas obras de construção da ferrovia. O quinto e último capítulo destaca os conflitos, violência e criminalidade nas obras.

Uma das contribuições importantes do texto é, sem dúvida, a discussão em torno do recrutamento dos trabalhadores. Diferentemente de outras estradas de ferro em...