In lieu of an abstract, here is a brief excerpt of the content:

POR UM UNIVERSALISMO DESCENTRADO Consideracóes sobre a metáfora antropófaga ___________________JOÁO ALMINO___________________ Escritor e Diplomata Näo há no Manifesto antropófago, escrito e lançado por Oswald de Andrade , um corpo coerente de idéias a que possamos nos referir para urna análise de seu significado e alcance. Existiu —ou existe ainda— , contudo, urna rica metáfora, presente tanto no Manifesto quanto na Revista de Antropofagia , que serviu para animar parte do debate cultural no Brasil e teve grande repercussäo para o modernismo brasileiro. O Manifesto é de maio de 1928 e a revista teve duas "denticóes", urna com dez números, entre maio de 1928 e fevereiro de 1929, e a outra, com quinze, entre 17 de março de 1929 e primeiro de agosto de 1929. Quero oferecer uma interpretaçâo — certamente nâo a única possível— sobre a ideología desta metáfora. A antropofagia está obcecada pelo tema da identidade cutural nacional, a partir de um "nos", cujas fronteiras säo nacionais e multi-étnicas, a primeira pessoa do plural, sujeito e objeto de todo o Manifesto. Ao procurar responder à questäo básica sobre "o que somos" ou "o que nos une", a metáfora antropófaga indica que o que nos une é o outro, é o fato de ele existir, de termos intéresse por ele e sobretudo de querermos devorá-lo. Já em seu inicio, o Manifesto deixa isto claro: "Só a antropofagia nos une. Socialmente. Económicamente. Filosóficamente". E ainda: "só me intéressa o que nao é meu." Conclui-se que a cultura brasileira nao é, portanto, insular e voltada únicamente para suas raízes, para o solo nacional, como a leitura superficial de outras passagens do Manifesto poderia deixar entender, nem, por outro lado, se insère, de forma secundaria ou subordinada, numa civilizaçao universal centrada na Europa. Está näo apenas aberta ao outro, mas preparada para devorá-lo. No "Prefacio interessantíssimo" à Paulicéia desvairada, Mario de Andrade diria, já em 1922: "Nâo tenho forças bastantes para me unlversalizar? Paciencia. Com o vario alaúde que construí, me parto por essa selva selvagem da cidade. Como o homem primitivo cantarei a principio só". E com o seguinte verso termina seu poema "O Trovador", incluido naquele livro: "sou um tupi tangendo um alaúde".©1999 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. XII No. 23/24, Enero a Diciembre 1999 42_________________________________________________________JOÄO ALMINO Esta imagem näo é, contudo, suficiente para representar a radicalidade da proposta antropófaga, pois näo se trata de dizer apenas que somos urna mistura de culturas, nem urna conjugaçâo entre o primitivo e o civilizado. Nossa abertura é feita através de bons dentés e de um grande estómago. Somos capazes de devorar o outro e, com isso, de regenerar nosso proprio tecido, produzindo o novo. A démarche antropófaga é radical: "Tupy or not tupy that is the question", diz Oswald no Manifesto. Existe, assim, urna descida antropofágica e vertical sobre o Brasil, facilitada pelas viagens dos modernistas à Europa e a Minas Gérais. "Se alguma coisa eu trouxe das minhas viagens à Europa dentre as duas guerras foi o Brasil mesmo", afirmaría Oswald mais tarde. A ênfase no primitivismo, típica das vanguardas da época — presente, por exemplo, no cubismo e no surrealismo — näo significa, porém, a meu ver, urna opçâo pelo primitivo contra o civilizado. Livre para ver pela primeira vez e partir de outra historia, a antropofagia parece querer fundar, sobre suas próprias bases, urna nova civiliza çâo. Para construir esta civilizaçâo, "o que se dá näo é urna sublimaçâo do instinto sexual", como em Freud. "É a escala termométrica do instinto antropófago. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciencia". Se sao patentes as semelhanças entre certas idéias do Manifesto e as de Breton (recuperaçâo do primitivismo) e de Freud, ele também se inspira em Marx sobretudo ao postular a fundaçâo de uma nova sociedade através da revoluçâo. Afirma que o Brasil já tivera uma sociedade sem classes, em...

pdf

Share