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  • Primórdios da poesia em computador - anos 60, 70 e 80 do século XX
  • Pedro Reis1

1. Idealizações de "máquinas textuais"

A história literária, considerando em particular a produção poética, regista algumas experiências cuja intenção é a de interferir na noção ocidental de livro, com o intuito de promover uma certa libertação dos constrangimentos tradicionalmente impostos pela materialidade da escrita. Neste contexto, o recurso a processos criativos alicerçados em estratégias aleatórias, combinatórias ou permutacionais tem-se revelado uma das formas de perseguir esse objectivo.

2. Os primeiros passos da poesia em computador - a década de 60

Os primeiros passos da poesia em computador registram-se no fim dos anos 50 e no princípio dos anos 60 do século XX, num conjunto de países avançados tecnologicamente, nos quais o computador está já presente na indústria, nos centros de pesquisa e nas universidades.

Nos Estados Unidos, no final da década de 50, Brion Gysin realiza permutações, experiências com gravadores audio e cut-ups, técnica que também se encontra em William Burroughs, com óbvia relação igualmente [End Page 293] com a música concreta e electrónica já bastante cultivada naquela época, com a intenção de "fazer as palavras falarem por si mesmas," como lembra Jacques Donguy, no ensaio "Poésie et ordinateur" (135-47). Com a ajuda do matemático Ian Sommerville, Gysin compõe um poema permutacional, "I am that I am," a partir de um computador Honeywell, em 1958.

Aqui, um conjunto limitado de elementos (palavras), combinados aleatoriamente, sem qualquer restrição estrutural (gramatical ou outra), forma uma composição textual de dimensão reduzida (verso). A obra resulta naturalmente de uma sucessão de versos que, gerados de forma aleatória, actualizam múltiplas possibilidades de combinação desses elementos:


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Figura 1.

"I am that I am" (1958), de Brion Gysin (in Williams, ed. s/p).

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Por seu turno, Carole McCauley, no seu livro Computers and Creativity (1974), menciona entre as primeiras produções de poesia em computador as realizadas na Europa, nomeadamente na Inglaterra, com os trabalhos de Alan Sutclife e na Alemanha, com os trabalhos realizados no âmbito do grupo de Estugarda, composto por poetas e académicos (Lutz, Nake, Nees, Walther), no geral, inspirados pela estética de Max Bense e num ambiente de grande interdisciplinaridade. É deste contexto que emerge o trabalho realizado por Théo Lutz, em 1959, na Escola Politécnica de Estugarda.

O princípio de elaboração assenta numa combinação de signos, dois a dois ou três a três, originando uma sucessão de frases geradas aleatoriamente. Como explica Moles (179), as modificações nas ligações de ideias desencadeadas pela programação permitem obter aproximações de textos poéticos essencialmente sob o plano semântico. Desta forma, neste trabalho experimental, a preponderância é dada aos aspectos estéticos no sentido em que se procura desencadear modos de associação que se aproximem da força de evocação com que conotamos o pensamento poético: [End Page 295]


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Figura 2.

"Autopoem nr. 303" (1959), de Théo Lutz (in Barbosa, A Ciberliteratura 133; Moles 174).

No contexto destas experimentações poéticas, Nanni Balestrini, poeta italiano, combinou, no início dos anos 60, textos antigos e modernos, utilizando a capacidade de processamento do computador. Nos seus Tape Mark I e Tape Mark II, o autor processa digitalmente reportagens jornalísticas, poemas clássicos e outras fontes textuais, organizando-os segundo certas regras combinatórias, de modo a compor um painel fragmentário:


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Figura 3.

Tape Mark I (1961), de Nanni Balestrini (in Barbosa, A Ciberliteratura 51).

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A respeito desta obra singular, Haroldo de Campos afirma:

Trata-se de juntar os humildes fragmentos, aparentemente disparatados, do nosso cotidia-no, de projetar uma luz especial, através de arranjos sutis e irônicos, sobre esses aspectos fungíveis da realidade contemporânea que as...

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