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YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY FERNANDO PESSOA: O MISTÉRIO DA ARTE DE FINGIR SANDRA I. SOUSA Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária. Bernardo Soares We can see only with our own eyes, think with our own minds, feel with our own bodies. Life enmeshes us with one another and with the world. Arnold Weinstein INTRODUÇÃO: Fernando Pessoa é, e digo é porque a sua presença ainda hoje se faz sentir de forma inquestionável, sem grande margem de erro, um dos mais intrigantes poetas de literatura portuguesa. E é essa intriga que, ao envolvê-lo, o torna um dos escritores mais procurados, tanto por leitores como por críticos que sentem, antes de mais, um certo fascínio do espectacular e do especular em Pessoa. Fernando Pessoa é, na opini ão de Joaquim Manuel Magalhães, antes de qualquer outra coisa, esse génio da literatura portuguesa. Tendo pertencido à conhecida Geração de Orpheu,1 foi considerado “a mais importante personalidade das tend ências modernistas portuguesas”2 opondo-se “à metafísica sentimentalista romântica” (Saraiva 997). Um outro crítico pessoano, Linhares Fi1 António José Saraiva e Óscar Lopes referem-se a esta geração como uma geração controversa, a cujos elementos se atribuíram “publicamente sinais de degenerescência,” mas, a que no entanto, “hoje é fácil reconhecer que eles produzem, em conjunto, a maior renovação portuguesa deste século” (993). 2 Massaud Móises partilha da mesma opinião de Saraiva e Lopes afirmando que Pessoa “criou a melhor poesia de Orpheu e da literatura portuguesa moderna, quiçá de todo o Ocidente deste século” (29). YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY 225 lho, refere igualmente Pessoa “como padrão de modernidade” (29). No entanto, Ronald W. Sousa antevê em Pessoa “the primacy of Romantic thought”3 (88). No âmbito deste trabalho é de alguma relevância poder encarar-se Pessoa como um poeta romântico, contudo, o facto de Pessoa se aproximar e afastar de todas as correntes literárias, revela-se, talvez, como aspecto ainda mais significativo. Desta pequena introdução ressalta o facto de que falar de Fernando Pessoa é, por si só, um desafio. Falar e pensar no que aqui vai ser objecto de análise – a categoria da relação em Pessoa – é, mais do que um desafio, é como um jogo do gato e do rato, um jogo que mais se aparenta a uma corrida interminável. Como encarar as “cartas de amor” trocadas entre Pessoa e Ofélia, a sua única namorada conhecida? Reformulando, como encarar essas cartas no conjunto da poesia dessa personalidade cujo mundo não parece ser “nem este mundo nem o outro” (Paz 41)? Revelarão estas cartas um Pessoa despido de qualquer fingimento – “Estou-te escrevendo mas não estou pensando em ti” (Pessoa 331) – ou não serão mais que um outro exercício, embora de género diferente, de arte poética? É a estas perguntas , que se podem resumir numa só – é Pessoa um fingidor mesmo na vida real? – que tento responder neste ensaio, embarcada também por esse fascínio. Atentemos na opinião de alguns críticos de Pessoa a respeito do assunto aqui em causa. Alfredo Antunes, no seu ensaio “Três Meditações Sobre Fernando Pessoa,” afirma que Fernando Pessoa foi “um grande Poeta fingidor que escrevera cartas muito sinceras” (17). Segundo Antunes, Estas “Cartas de Amor,” longe de serem ficção literária, têm que ser olhadas como documentos sinceros onde a sentimentalidade do autor se revela, como talvez em nenhum outro – sinceridade que não implica autenticidade de amor.4 (25) 226 ROMANCE NOTES 3 Ronald Sousa, apesar de chegar à conclusão de que Pessoa é, primordialmente, um Romântico, aponta algumas restrições a esse aspecto: “Ele mesmo is instinctively a Romantic, but one who, very much in concert with the conflicting intellectual currents of Pessoa’s time, can regularly accept neither the validity of the Romantic view nor the validity of the opposing rationalist view” (83). 4 Antunes, ao encarar estas cartas como “o atestado maior da sentimentalidade real do Poeta” (22), considera que Pessoa não queria que assim...

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