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YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY A LINGUAGEM OBSCENA DO PARVO NO AUTO DA BARCA DO INFERNO DE GIL VICENTE: UMA LUTA DE PALAVRAS PELOS ESPAÇOS DIVINOS* MONSERRAT BORES MARTÍNEZ O auto sacramental vicentino, Auto da Barca do Inferno [1516],1 é uma representação dramática de temas teológicos que têm a sua origem principalmente no drama litúrgico medieval. Este tipo de drama, expõe o critico espanhol Domingo Ynduráin, era representado de maneira constante no interior dos templos desde os séculos XII e XIII, é só constitui-se forma teatral a partir da criação das obras dos escritores na Peninsula Ibérica: Juan del Encina, Lucas Fernández e Gil Vicente (5). Nesse sentido , o auto sacramental, em geral, e o auto vicentino, em particular, inscrevem -se numa tradição teatral caraterizada pela inclusão do tema eucarístico e a representação da festividade do Corpus Christi. Apesar de se impregnar destas fontes literárias, a obra vicentina carateriza-se por ser uma adaptação das invenções preexistentes.2 Os seus autos tratam-se duma representação nos quais o mistério da Eucaristia não é necessário, pois realmente, nos séculos XV e XVI, a função dos autos sacramentais muda e passa a consistir em acompanhar, lembrar e representar a presença do Cristo na Eucaristia. O processo de recepção muda porque o auto converte-se num espectáculo que reduz a * Agradeço infinitamente a ajuda sincera e os comentários da Prof. Anita de Melo (The Pennsylvania State University), os quais contribuíram a melhorar este travalho. Dedico estas notas à memória de Ramón Mallorquí Puigdevall (1946-2008). 1 Este auto sacramental pertence a uma trilogia vicentina. É a primeira parte da trilogia das Barcas, sendo que a segunda e a terceira são respectivamente o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória. 2 Como expõe José Augusto Cardoso Bernardes, a causa da adaptação das manifesta- ções literarias existentes, alguns letrados supunham que Gil Vicente ‘roubava’ ou imitava temas e conteúdos mais dos que criava (13). YYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY 235 espectacularidade das procissões religiosas e a participação do povo nesta celebração. A obra dramática elimina o papel ativo dos peregrinos e transforma-os em simples espectadores. De maneira que se em princípio os peregrinos tinham a capacidade de participar diretamente no sacramento da Eucaristia, com a teatralização deste sacramento, eles ficam como agentes passivos. Praticamente os actores são os únicos participantes neste sacramento, pois eles encarregam-se da recitação do serm ão. Uma vez que o auto sacramental adquire esta modalidade e este controlo , as possibilidades que o drama concede à Igreja e à monarquia são insuperáveis. Concretamente, o auto sacramental foi usado para reorientar a presença dos elementos profanos nos actos religiosos. Para conseguir isto, o auto trabalhava sempre com conteúdos da realidade e com elementos de carácter sobrenatural e cristão como são a existência duma divindade e a promessa duma vida melhor depois da morte. No auto sacramental, a alegoria era essencial para representar o mundo divino e para tentar modificar a actividade humana na terra o qual passaria a ser um dos objetivos principais dessas obras teatrais. A este respeito, a obra de Gil Vicente ajusta-se a esse tipo de directrizes evitando a mistura dos elementos profanos e religiosos e apresentando elementos didáticos. Consoante com os demais autos sacramentais, o auto vicentino não pretende centrar-se num debate teológico. Contrariamente, ilustra uma situação conhecida e aceita pela população espanhola e portuguesa como é a importancia da salvação na vida dos cristãos apresentada no Auto da Barca do Inferno. Devido a isto, achamos figuras arquetípicas como o Diabo e o Anjo que salientam a noção de que a única redenção possível para o cristianismo encontra-se dentro da Igreja católica e dos territórios espanhóis. De modo que, e de acordo com Jean Louis Flecniakoska , o auto sacramental também tem o propósito de atacar aquelas nações gangrenadas pela heresia...

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