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Reviewed by:
  • Letras e letras da música popular brasileira
  • André Gardel
Perrone, Charles A. Letras e letras da música popular brasileira. 2nd ed. Rio de Janeiro: Booklink, 2008. 274 pp.

A reedição do livro Letras e letras da MPB, de Charles A. Perrone, professor da Universidade da Flórida e profundo conhecedor da música e da poesia brasileira contemporâneas, é de extrema importância para nos debruçarmos sobre os rumos atuais de nosso cancioneiro e de nossa poesia. Lançado em 1988, como desdobramento de sua tese de doutoramento, o livro apresenta uma série de portas de entrada e saída para o leitor que queira (re) pensar, hoje, a função, tanto social quanto estrutural, da canção popular brasileira, que, um dia, já foi chamada de nossa verdadeira grande arte...

O recorte temporal acionado para análise por Letras e letras da MPB, de fins dos anos 60 a meados dos anos 80, é sintomático de um momento específico dessa produção: quando fica explícito, na moderna sociedade de massas brasileira, geradora de frutos suculentos e artistas geniais, o enredamento poroso entre as raízes da música popular e da literatura culta, o intercâmbio criativo entre poetas, letristas, compositores, intérpretes, teóricos, críticos, acadêmicos. Fenômeno que pode ser visto como um desdobramento "natural" do coro de contrários, de viés anarcomístico ou construtivo/ experimental, formado pelos artistas brasileiros - plásticos, teatrais, literários, musicais, cinematográficos - como reação à ditadura, antes da dispersão e exílios, forçados ou não, causados pelo AI-5.

Contudo, tal conúbio canção popular/ literatura, dentro da história da música de mercado brasileira, tem precursores do porte de Orestes Barbosa ou Vinicius de Moraes, para não nos estendermos muito; e, se alargamos o espectro para a configuração de nossa cultura em geral, pode ser pensado como índice conceitual de nossa formação cultural rizomática, libertina/ libertária, ainda que sob condições coloniais, imperiais, ditatoriais. Gerador de obras que vão de Gregório de Matos, Domingos Caldas Barbosa, dos românticos freqüentadores da gráfica de Paula Brito, dos acadêmicos da Belle Époque com seus encontros fortuitos com os sambistas Donga e Pixinguinha, até as pesquisas nacionais populares de nossos modernistas.

Contudo, Perrone delimita o terreno onde vai pisar, introduzindo uma terminologia e modo de abordagem - complementar ao brilhante uso que faz da [End Page 245] análise lingüística e intersemiótica - até os dias de hoje não de todo absorvido como instrumental por nossos estudiosos de música popular e poesia, extremamente necessário para a compreensão da arte da canção/ poema na era pós-industrial: o de literatura como performance. Embora se detenha apenas na performance acústica, o autor já deixa em aberto para as gerações futuras de exegetas, a perspectiva de aproximação performativa-crítica do acontecimento canção - seja no universo virtual, hipertextual, na cena dos shows, nos recitativos, no teatro, nos registros digitais - quando relembra o conceito grego de mousike, que "englobava melodia e verso como uma unidade integrada, juntamente com a dança" (p. 24).

Com orelha de Augusto de Campos e prefácio de Amador Ribeiro Neto, esta segunda edição histórica comemorativa do 20º aniversário, revisada pelo autor, mantém a estrutura originária: partindo dos primórdios da poesia cantada no Ocidente para definir a especificidade do objeto abordado, faz reflexões morfofônicas, verbais, sintáticas e performativas sobre as modificações do verbo musical viajante. Nessa trajetória, passa por momentos de pico da arte do "motz el som," como, por exemplo, nas manifestações dos trovadores provençais medievais, até chegar ao dinamismo cultural eletrônico dos anos 60 no Brasil, quando, então, se aproxima do núcleo de seus estudos: as análises estilísticas, de estilete e inteligência técnico-conceitual em punho, que empreende sobre as obras de Caetano e Chico durante o período estudado.

Só pela qualidade dessas análises, o livro já seria um cl...

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