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  • Partes de África: Cartografia de uma identidade cultural portuguesa
  • Isabel A. Ferreira Gould
Silva, Marisa Corrêa . Partes de África: Cartografia de uma identidade cultural portuguesa. Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense (UFF), 2002. 210 pp. Bibliografia.

O livro publicado pela Editora da Universidade Federal Fluminense, da autoria de Marisa Corrêa Silva e intitulado Partes de África: Cartografia de uma identidade cultural portuguesa (2002), analisa de forma crítica e penetrante o romance de Helder Macedo, que dá precisamente pelo título de Partes de África (Lisboa: Presença, 1991). O estudo em análise, que resulta de uma dissertação académica levada a cabo no Brasil, é, sem dúvida, um dos trabalhos mais criativos que nos últimos anos foram publicados sobre Partes de África. Tendo em vista as especificidades deste romance singular, cuja publicação atesta a magnífica e diversa produção literária portuguesa do último quarto de século, o livro de Marisa Corrêa Silva debruça-se sobre conceitos distintos, mas harmoniosamente entretecidos, proporcionando-nos uma leitura instigante que contribui para a decifração quer de Partes de África, quer do Portugal contemporâneo.

Posto isto, comecemos com duas citações que nos parecem fundamentais no texto uma vez que identificam tendências não apenas da narrativa actual, mas, sobretudo, da ficção macediana. Como Marisa Corrêa Silva bem testemunha, Partes de África "persegue uma tendência da narrativa contemporânea de apropriar-se de um passado histórico para, através da sua manipulação (seja através do mágico-maravilhoso, através da metaliteratura ou da desconstrução), discutir, subverter e/ ou reconstruir a relação do indivíduo com a sociedade onde vive e proceder a um profundo reexame da imagem dessa mesma sociedade" (Silva 11). [End Page 232] Recorda-nos Marisa Corrêa Silva que tudo o que acima se citou perpassa na ficção de autores como José Saramago, Salman Rushdie, Umberto Eco e Vidal (11). O apurado sentido crítico da autora leva-a a apontar uma outra tendência na prosa macediana, declarando o seguinte: "A passagem da poesia para o romance determinou algumas mudanças de amplitude no que chamo, genericamente, de tendência macediana para observar a crise de identidade. Se o eu-lírico discute a crise individual, com fortes ecos existencialistas, o romance macediano amplia essa crise e a torna emblemática da crise de identidade cultural de toda uma sociedade" (11).

Privilegiando a abordagem sociológica sem, no entanto, descurar a análise de elementos literários, Marisa Corrêa Silva detém-se em questões como o pós-modernismo, a subalternidade do colonialismo português, o pós-colonialismo, as configurações da identidade cultural portuguesa, o dialogismo, a memória, o imaginário, a ironia, o efeito de caleidoscópio e mosaico, prestando particular atenção à categoria heterodoxa de autor-narrador e ao conceito de desconstrução, que a autora denomina de desconstrução macediana, "para enfatizar suas diferenças com a derridiana" (83). Sendo a palavra desconstrução um termo bastante vulgarizado no léxico crítico-literário dos nossos dias, ela não deixa, no entanto, de ser problematizada na secção intitulada "Mosaico, desconstrução e ironia macedianos" (99– 107). Trata-se de um trabalho equilibradamente repartido em cinco capítulos, excluindo a introdução e a conclusão, suportado por uma investigação teórica e crítica bem fundamentada. As linhas de raciocínio claras denotam uma pronunciada opção pelo pensamento sociológico de Boaventura de Sousa Santos no que diz respeito ao perfil e às especificidades do Império Português, e aos conceitos de semiperiferia e inter-identidade.

Na sua análise de Partes de África, Marisa Corrêa Silva incide muito particularmente sobre as personagens e a sua estruturação, o proto-herói e a trajectória do autor-narrador. Oferece-nos igualmente uma excelente reflexão sobre as relações complexas entre indivíduo, família e nação que nos leva a revisitar a história de uma boa parte do colonialismo português do último...

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